Candidaturas a universidades britânicas no geral caíram. Mas as que chegam de Portugal tiveram uma tendência contrária e subiram 17%. Ir para o Reino Unido ainda é um sonho.

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Há mais jovens portugueses a concorrerem a licenciaturas em universidades britânicas este ano, apesar das incertezas em torno do Brexit. A evolução é tal que os estudantes de Portugal surgem como um caso singular nas estatísticas de acesso ao ensino superior no Reino Unido.

No geral, as candidaturas de alunos da União Europeia, exceto as dos britânicos, caíram 6% em relação a 2016, segundo dados divulgados quinta-feira pela UCAS, a plataforma que centraliza as admissões. Mas as de Portugal subiram 17%. Foi de longe a maior taxa de aumento entre os poucos Estados-membros com mais candidatos do que no ano passado.

Desde 2013 que a tendência é a mesma. Naquele ano, houve aproximadamente 750 candidatos portugueses. Em 2016 eram cerca de 1150 e agora o número já vai em 1330.

Para os estudantes, ir para o Reino Unido ainda representa um desejo e uma oportunidade. “O meu sonho é estudar em Inglaterra e não é o Brexit que me vai fazer mudar de ideias”, diz Carolina Myhre, 19 anos, natural do Porto.

Carolina já tinha tentado entrar numa universidade britânica em 2016, por sua conta, quando terminou o secundário na escola Clara de Resende, no Porto. “Não queria estudar em Portugal.” Uma das razões está no método de ensino. “No Reino Unido é completamente diferente, é muito mais prático. Em Portugal é tudo mais teórico. E a teoria eu posso estudar sozinha.”

Não conseguiu à primeira tentativa. No final do ano foi com uma amiga a um evento na Casa da Música, organizado por uma empresa que orienta jovens que queiram estudar no Reino Unido, a OK Estudante. Era uma espécie de mostra de várias universidades britânicas, um ponto de contacto. Gostou do que viu, contratou o serviço da empresa e teve a oferta de uma vaga em design gráfico na Universidade Middlesex, em Londres.

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O financiamento a 100% das propinas, garantido pelo Governo britânico para quem chega da UE, tem sido um forte incentivo. “As universidades do Reino Unido estão acessíveis a qualquer pessoa, independentemente da sua condição económica. É uma oportunidade única para os estudantes portugueses”, diz Raimundo Sousa, diretor da OK Estudante.

Mas é precisamente nas propinas que o Brexit pode vir a trocar as voltas aos estudantes. Por ora, o Governo britânico garante que quem entrar na universidade no próximo ano letivo continuará a pagar, ao longo de todo o curso, o mesmo valor que os britânicos – quase 11 mil euros por ano. E terá acesso a financiamento automático para suportar este custo até que termine o curso e comece a trabalhar. É por isso que Carolina Myhre está tranquila em relação à saída do Reino Unido da UE: “Sei que durante três anos não vou de ter de me preocupar com as propinas”.

Mas uma vez consumada a separação com Bruxelas, os cidadãos da UE poderão ter de pagar o mesmo que outros estudantes internacionais. A fatura começaria em cerca de 17 mil euros por ano, subindo até aos 27 mil euros nos cursos da área médica. E a porta do financiamento pode fechar-se. “Este ano poderá ser a última oportunidade”, alerta Raimundo Sousa.

“Acho que isto explica o entusiasmo que se vê agora”, interpreta Sónia Ventura, investigadora no instituto de ciências biomédicas Francis Crick, em Londres, e dirigente da Associação de Investigadores e Estudantes Portugueses no Reino Unido (PARSUK, na sigla em inglês). “E estudar numa universidade britânica é sempre bom para o currículo.”

As universidades britânicas estão preocupadas com o que pode vir a acontecer. Há 125 mil estudantes de outros países da UE a frequentarem seus cursos. A organização Universities UK, que reúne todos os reitores, lançou um apelo para que o acesso de novos estudantes da UE às propinas locais e ao financiamento também se mantenha em 2018-2019. Por ora, só a Escócia dá esta garantia. “Temos manifestado esta posição repetidamente ao Governo e estamos à espera de que façam um anúncio”, afirma uma porta-voz da organização.

As universidades são cautelosas ao interpretarem a queda de 6% nos potenciais estudantes da UE este ano. Os números divulgados na semana passada mostram também uma quebra de 4% no total de candidaturas – de britânicos e estrangeiros. E a descida ocorre depois de um pico em 2016.

“É difícil extrair desses números conclusões sólidas quanto ao impacto do Brexit nos estudantes da UE”, comenta Jessica Cole, diretora de políticas do Russell Group, que reúne 24 das universidades mais conceituadas do Reino Unido. No ano passado, 365 jovens portugueses conseguiram vaga em licenciaturas ou cursos de pós-graduação nestas instituições. O número não é muito diferente do dos anos anteriores.

“O Brexit vai mudar as relações entre o Reino Unido e a UE, mas estudantes de talento de Portugal ou de outros países europeus serão sempre bem-vindos”, completa Jessica Cole.

Para evitar a fuga de estudantes, as universidades puseram-se cedo em campo, logo depois do referendo de junho passado, em que 52% dos britânicos disseram “sim” ao divórcio com a UE. Estudantes que se tinham candidatado antes da consulta foram logo contactados.

Sebastião Machado, 22 anos, natural de Lisboa, foi um deles. Depois de dois anos num curso de que não gostava na Universidade Nova de Lisboa, candidatou-se a uma licenciatura no Reino Unido em 2016. Em maio, soube que tinha um lugar garantido no curso de gestão da Universidade de Lancaster. No mês seguinte, veio o resultado inesperado do referendo. “No mesmo dia, recebemos um email da universidade a dizer que, para nós, nada iria mudar nas propinas e no financiamento. Fiquei logo descansado”, refere Machado, um dos 104 portugueses que estudam naquela universidade.

O luso-alemão Patrick Pereira Rebuschat, professor de linguística e coordenador da área de internacionalização da Universidade de Lancaster, acredita que os efeitos do Brexit sobre os estudantes portugueses não serão imediatos. Há ainda diversos fatores de atração no Reino Unido, como a língua, a proximidade do país e o conhecimento do que se faz nas universidades britânicas em termos académicos. “Tem havido muita exposição em Portugal da investigação que se faz cá”, afirma. “Para os estudantes, o problema é o que vai acontecer com as propinas depois do Brexit. Esta é a grande incerteza”, avalia.

Luís Miguel Machado, 18 anos, da Póvoa de Varzim, está certo de que nada no imediato irá atrapalhar os seus planos. Em setembro, se tudo correr bem, vai para a Universidade de Coventry, cerca de 170 quilómetros a norte de Londres, iniciar uma licenciatura em tecnologias de jogos. Também entrou em contacto com a universidade através de uma mostra no Porto.

Depois foi a Inglaterra visitá-la. “Achei espetacular, era tudo novo, moderno, havia dois simuladores de voo, parecia como naqueles filmes americanos”, conta. Ficou impressionado ao ver a biblioteca cheia de alunos. “Sei que lá vou estar motivado. Aqui, em Portugal, a universidade é só para ‘ir passando’.”

Luís Machado tem um amigo que já estuda em Conventry e que ficou assustado com o Brexit. “Já eu estava um bocado por dentro da política do Reino Unido. Sabia que não teria consequências de momento. Pensei comigo que a universidade é um grande negócio e que os estudantes são parte disso. Senti-me um pouco mais seguro”, recorda.

As parcerias da universidade com empresas e as hipóteses de trabalho no futuro selaram a decisão de Luís Machado. Mas é aí, no que pode suceder depois do curso, que está a sua maior incerteza em relação à saída do Reino Unido da UE. “Sempre considerei que seria melhor opção ficar lá a viver. Mas esta é a parte mais complicada”, antecipa.

Apesar do financiamento para as propinas, Luís Machado e Carolina Myhre sabem que vão ter de trabalhar para se sustentarem enquanto estudam. Luís vai tentar um part-time, Carolina diz que os pais podem ajudá-la apenas nos primeiros meses. “Passado um bocado, sei que vou estar por minha conta. Vou viver numa casinha pequenina, a comer noodles noodles todos os dias”, diz.

in Expresso