Num país onde há uma crescente perceção de que o Português é uma língua que atribui um valor acrescentado aos currículos daqueles que a dominem, 41% dos alunos do EPE já são sul-africanos e de outras nacionalidades. Tem crescido o interesse em todos os níveis de ensino e o novo adjunto da coordenação do EPE acredita que este irá aumentar com a integração das aulas de Português no currículo e dentro do horário normal. Algo que será uma realidade já a partir de fevereiro de 2017, para o 8º ano de escolaridade na Assumption Convent High School, em Germiston, revelou Carlos Gomes da Silva nesta entrevista.

ensino portugues

O que o motivou a assumir o cargo de adjunto da Coordenação do EPE na África do Sul?
Em primeiro lugar, entusiasmou-me muito a perspetiva de poder voltar a trabalhar na África do Sul e países vizinhos, região que conheço bem e da qual guardava e mantenho excelentes memórias e uma valiosa experiência pessoal, humana e profissional. Depois, tenho uma longa experiência como docente de Português língua Segunda/Estrangeira e de Herança, a todos os níveis de ensino, em três diferentes continentes, em diferentes países (Portugal, Holanda, África do Sul, Canadá e Brasil):
Na Holanda (entre 1974 e 1985), lecionei cursos de ensino básico e secundário no sistema paralelo e integrado, assisti e participei na discussão e na reflexão sobre o bilinguismo em contexto de imigração. Interessei-me pela questão da aquisição e manutenção da língua portuguesa entre os lusodescendentes na Holanda, tendo-as estudado num trabalho para um seminário do programa de doktoraal em psico e sociolinguística que concluí na Universidade de Utreque.
Na África do Sul (entre 1985 e 1991), como docente na Universidade da Cidade do Cabo, montei um programa de Português integrando cursos de cultura e de literatura dos PALOP, no contexto da emergência destas novas culturas e literaturas que a Universidade achava importante para o futuro, com a concordância do então ICALP. Os 12 anos de experiência na África do Sul foram determinantes para a minha formação, enriquecimento pessoal, humano e profissional, e, sobretudo, para compreender melhor África, bem como a importância estratégica, cultural e política da língua portuguesa no pós-apartheid na África Austral.
No Canadá (de 1997 a finais de julho de 2016), comecei por lecionar na Universidade de Otava em 2002, como professor adjunto, na sequência de diligências que efetuei na minha qualidade conselheiro social e cultural na Embaixada de Portugal em Otava, para que a Universidade reintroduzisse o ensino de Português. A partir de então, empenhei-me na consolidação do Ppograma de português e no aumento do número de alunos (tínhamos, em média, entre 100 e 150 alunos por semestre, inscritos nos vários cursos semestrais do Programa de Português). A pedido da Reitoria da Universidade de Otava, estabeleci contatos e negociei protocolos de intercâmbio com universidades portuguesas e brasileiras.
Nos últimos anos, tenho-me dedicado à investigação e produção de materiais para o ensino do português como língua segunda/estrangeira e de herança, com a colaboração de colegas brasileiras da Universidade de São Paulo. Estão em fase de revisão os manuais de Português Pt/Br para os níveis C1 e C2, que integram as variantes europeia e brasileira, organizados por temas culturais, comuns e transversais aos vários países de língua portuguesa, tendo como público alvo estudantes universitários e executivos.

Qual é o número de alunos e professores da rede EPE na África do Sul?
Na África do Sul, para o ensino básico e secundário dispomos de 18 docentes em comissão de serviço e com horários completos. Somam um número total de 2.317 alunos, dos quais 49% são lusodescendentes, 10% lusófonos e 41% sul-africanos e de outras nacionalidades. No ensino superior temos 2 leitoras do Camões, I.P.: uma na Universidade de Pretória, com 63 alunos inscritos nas disciplinas do programa de português, e uma outra na Universidade de Witwatersrand, com 90 alunos; 2 docentes ao abrigo de protocolos de cooperação, uma na Universidade Técnica de Durban (com 15 alunos) e uma outra na Universidade da Cidade do Cabo (com 42 alunos). Até ao final do corrente ano letivo teremos um leitor júnior a tempo parcial na Universidade de Pretória e um outro a tempo inteiro na Universidade de Witwatersrand, da responsabilidade do Camões, I.P.. Na Cidade do Cabo, uma das docentes assegura ainda um curso, parte numa plataforma online e outra presencial, para os deputados e funcionários do Parlamento sul-africano - prova indelével da importância estratégica do português na África Austral e reconhecido por estas autoridades. Inscrevem-se anualmente cerca de 45 candidatos. A nível do ensino de adultos, oferecemos cursos de Português para os funcionários deste Ministério das Relações Internacionais e Cooperação, temos protocolos de cooperação com a Alliance Française (AF) de Pretória, Joanesburgo, Durban e Cidade do Cabo que nos permitem oferecer cursos para os vários níveis de proficiência, para um público diverso, em crescimento, com especial incidência nos executivos. Os cursos de Português que oferecemos na AF nas quatro cidades atrás referidas, tiveram este ano cerca de 350 alunos.

Que atividades de complemento ao ensino pretende desenvolver?
- Organizar atividades extracurriculares como o “Acampamento anual dos alunos de Português” na região que promovam um são convívio entre todos os nossos alunos, que criem ambientes para praticarem a língua.
- Criar materiais didáticos com os docentes da rede EPE para o ensino do PLE/de Herança, adequados às realidades e necessidades dos alunos que frequentam os cursos de português na região da África Austral e montar plataformas e cursos online de português e sobre as culturas lusófonas.
- Investigar a possibilidade de estabelecer mais programas de Major em Português em Universidades na África Austral, como o que foi recentemente aprovado pelo Camões, I.P. para a Universidade de Mpumalanga e que iniciaremos no próximo ano letivo com a oferta de cursos de iniciação A1 e A2.

Que metas ainda há a alcançar, na sua opinião?
Seguindo as orientações superiores e num espírito de continuidade e aprofundamento do excelente trabalho desenvolvido pelo meu antecessor, o leitmotiv da minha atuação nos próximos 3 anos como responsável pela Coordenação EPE:
i) Integrar, tanto quanto possível, os cursos de português no horário e no currículo escolar sul-africano como primeira ou segunda língua adicional (o ensino básico e secundário deste país não contempla por enquanto o ensino de línguas estrangeiras), ou como disciplina de opção.
ii) Consolidar o número de alunos inscritos.
iii) Estreitar a colaboração com o Ministério da Educação sul-africano sobre o ensino do Português e a futura formação de professores.
iv) Desenvolver e reforçar os vários programas de português nas universidades que oferecem major nesta disciplina, facilitar o estabelecimento de protocolos de cooperação entre estas e universidades portuguesas e dos restantes países de língua portuguesa que permitam a criação de programas de honours, de mestrado e de doutoramento em Português.
v) Organizar cursos de cultura, literatura e cinema online que possam ser partilhados pelas diversas universidades em que já estamos a trabalhar com as nossas leitoras.

A formação de professores será um garante para a continuidade do EPE na África do Sul?
Na Universidade de Pretória, segundo me foi transmitido pelo diretor do Departamento de Línguas Europeias Modernas, da Faculdade de Humanidade, Professor Doutor Rada Tirvassen, os estudantes que tenham terminado o major em Português poderão a partir do próximo ano letivo ingressar no programa PGC, curso de pós-graduação em formação pedagógica e didática para lecionar português como LE.
Na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, que teve no passado o programa mais completo de português, com major, honours e até mestrado e doutoramento, já há muito que os estudantes que concluam o major em Português podem profissionalizar-se na Faculdade de Educação.
Na Universidade Técnica de Durban ou na Cidade do Cabo, desde que os estudantes concluam o major em Português, podem igualmente profissionalizar-se como professores de Português Língua Estrangeira. Futuramente, na Universidade de Mpumalanga em Nelspruit, dada a proximidade com Moçambique, há também o interesse em formar docentes e profissionais fluentes na nossa língua nas áreas do Turismo, Gestão, Agronomia, etc.
É importante que a África do Sul disponha de docentes formados/profissionalizados para o ensino de português, tal como nós dispomos para espanhol, inglês ou francês, mas a continuidade do ensino no futuro dependerá certamente da vontade política das autoridades sul-africanas e dos meios que forem colocados à disposição das escolas.

Já está a ser disponibilizada a especialização em Tradução/Interpretação?
Na Universidade de Pretória, a inclusão do português no Programa de Tradução e Interpretação é a nível de pós-graduação: estudantes de licenciatura (honours) poderão matricular-se no BAHons em Tradução e Interpretação e estudantes do programa de Mestrado em Estudos Linguísticos Aplicados, poderão fazer uma opção Tradução e Interpretação. O diretor está a elaborar com a leitora uma proposta de programa de estudos para uma licenciatura em Tradução e Interpretação em Português.
Na Universidade Técnica de Durban, a nova docente nomeada ao abrigo de um Protocolo de Cooperação com o Camões, I.P. desde o início de agosto, já apresentou um programa para uma especialização em Tradução e Interpretação em Português que está a ser discutida pelo departamento competente daquela Universidade e pelo Instituto Camões, I.P.. Estamos no bom caminho.

Num país com uma forte comunidade portuguesa, a aprendizagem pode vir a afirmar-se como língua estrangeira?
Das conversas que tive com diretores e professores durante as visitas às escolas onde os cursos funcionam em regime paralelo, dei-me conta que havia ainda um pouco a perceção que seriam quase exclusivamente para as crianças de origem portuguesa e havia um desconhecimento, ou melhor uma falta de reconhecimento sobre a sua real importância a nível internacional. Tenho aproveitado para insistir que os cursos podem ser frequentados por todos: lusodescendentes, sul-africanos, lusófonos ou de qualquer outra origem e ainda para salientar a importância do português como língua de comunicação internacional, como língua africana importante, considerando cinco países a têm como única língua oficial, particularmente na África Austral, no contexto da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. O português não é mais identificado como língua apenas de Portugal, ou como uma futura e mera língua estrangeira importante, é já identificado como uma das mais importantes línguas regionais. No entanto, estou convencido que os lusodescendentes terão interesse redobrado quando as aulas de português forem integradas no currículo e dentro do horário normal, reconhecidas e frequentadas pelos seus colegas sul-africanos e sem estarem em conflito com os horários das suas atividades extracurriculares.
Nas várias visitas realizadas às escolas secundárias que oferecem português em regime paralelo, tem havido especial cuidado em sensibilizar os responsáveis para proporcionarem a integração das aulas, com benefícios para todos os interessados e abertos a todos os estudantes, independente da sua origem. Tivemos já a concordância da Kugersdorp High School (pública) e da Maragon High School (privada), em Roodeport, para se lançar os cursos integrados, como disciplina de opção, a partir de fevereiro de 2018. E na Assumption Convent High School (privada), em Germiston, em que cerca de 50% das suas alunas são de origem portuguesa, já a partir de fevereiro de 2017, para o 8º ano de escolaridade.

Que caminho há ainda a percorrer pelo EPE na África do Sul?
Na Cidade do Cabo, numa escola pública, na Milnerton High School, encontramos o modelo a seguir para o futuro, em regime integrado, com 274 alunos matriculados nos cursos de Português, em que os alunos sul-africanos e de outras nacionalidades atingem 88% do total das matrículas, os lusodescendentes 5% e os restantes lusófonos 7%. Neste estabelecimento de ensino, todos os alunos de todas as turmas do 8º ano de escolaridade (na África do Sul o secundário começa no 8º ano de escolaridade) estudam obrigatoriamente português e muitos continuam o seu estudo como segunda língua de opção. O diretor é efetivamente um visionário mas é sobretudo uma louvável proeza, fruto do empenho e dedicação da nossa docente colocada nessa escola, a Dra. Maria Isabel Barros.
A África do Sul tem 11 línguas oficiais e não privilegia o ensino de línguas estrangeiras mas felizmente há uma consciência crescente que o português é uma língua importante internacionalmente, sobretudo na região da África Austral, que confere um valor acrescentado aos currículos dos profissionais das gerações presentes e vindouras que a dominem. Um dos nossos docentes em Joanesburgo leciona um curso de português na escola secundária “Protea Glen Vista”, situada no bairro histórico negro do Soweto com uma excelente participação e interesse dos alunos que não têm qualquer ascendência portuguesa ou lusófona. A motivação inicial para se inscreverem nas aulas terá sido através do futebol e para saber dizer umas frases na “língua de Cristiano Ronaldo”. Descobriram entretanto que o português é muito mais do que a língua de um jogador ou de um país europeu, é igualmente uma língua africana com interesse para o seu futuro profissional.
No âmbito da racionalização de recursos e otimização dos mesmos, propus já às Universidades de Pretória, da Cidade do Cabo e de Mpumalanga que fosse ponderada a possibilidade de oferta de “cursos híbridos” nas áreas da Cultura, da Literatura e do Cinema dos Países de Língua Portuguesa, em que 50% da carga horária seria constituída por um módulo online e os restantes 50% dados em aula, ministrados em português ou inglês. As três universidades já consultadas mostraram-se muito interessadas na modalidade. Estes cursos serão desenvolvidos pela Coordenação em cooperação com as leitoras e demais docentes universitários do Camões, I.P..
No contexto da atual contenção orçamental, tanto do nosso lado como do sul-africano, para se poder estabelecer um programa de honours (licenciatura) em Português com um mínimo de custos, foi sugerido às Universidades que estabelecessem protocolos de cooperação com universidades portuguesas e dos demais países de língua portuguesa, nomeadamente de Moçambique, que permitam aos estudantes com major em Português frequentar um ou dois semestres e concluir um programa de licenciatura com os créditos necessários reconhecidos para um honours em Português na sua respetiva alma mater sul-africana. Eis algumas das considerações a explorar e a concretizar a curto e médio prazo.

In Mundo Português