Em Fevereiro deste ano comecei a desenvolver o meu primeiro projeto pós-mestrado ao qual dei o título Da Origem.
Da Origem, é um projeto de Arte Pública que pretende levar às comunidades portuguesas no estrangeiro imagens do seu lugar de origem com o intuito de as "aproximar" da sua terra natal, como também de espalhar um pouco mais a cultura portuguesa pelo mundo através da pintura mural.
O meu instinto levou me em primeiro lugar a querer contactar com as comunidades madeirenses por uma questão de afinidade, pelo facto do meu trabalho artístico desde sempre ter sido um reflexo da cultura popular e tradicional madeirense.
Da Origem / New Bedford, é o primeiro de muitos murais que eu tenciono fazer noutras comunidades madeirenses espalhadas pelo mundo.
A partir do Centro das Comunidades Madeirenses do Funchal e com a preciosa ajuda da Drª Isabel Brazão, comecei por contactar O Clube Madeirense do Santíssimo Sacramento de New Bedford (E.U.A.), onde já havia estado em 2003 com o Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha.
Após um período de negociações, o Clube finalmente resolveu não só aceitar a minha ida aos E.U.A., como também avançou no sentido de cobrir todos os custos que isso implicaria.
O mural que fui pintar tinha que estar pronto para a "102º Feast of the Blessed Sacrament" organizado pelo Clube do SSS de New Bedford existe desde 1915.
Não foi uma tarefa propriamente fácil para mim enquanto mulher num clube composto por homens, e acredito que a presença do meu namorado nesta jornada foi extremamente importante para poder chegar mais de perto de certas pessoas.
Numa primeira instância comecei por entrevistar alguns membros do Clube para saber quais as melhores memórias que eles tinham e que têm da Madeira, de modo a recolher imagens para o processo criativo do mural, mas rapidamente cheguei à conclusão de que as informações que eles me estavam a dar eram precisamente aquelas que eu tento sempre evitar nas representações que faço relacionadas com a Madeira: os clichês!
Era contra a minha vontade incorporar uma estrelícia não sendo ela uma planta endémica, ou pintar uma faixa vermelha no traje regional masculino quando os registos etnográficos da Ilha não revelam isso.
Enfim, foi um jogo de equilíbrio entre a identidade e os clichês, e naturalmente tive que fazer algumas cedências no sentido de também incorporar algo que a maioria me pediu muito: a paisagem.
O mural encontra-se na entrada principal do Clube do SSS e é uma combinação entre a paisagem da Ilha e um Brinquinho. Quando penso na Madeira, imagino-a como uma montanha que nasce do mar e que se ergue até ao céu sob a forma de um triângulo. Uma vez que o brinquinho também tem a mesma forma, o resultado final é uma junção dos dois.
Em relação à paisagem há a predominância dos poios por toda a imagem, sendo que na serra crescem os maçarocos e junto ao mar as bananeiras. Há uma corrente de água que representa as nossas levadas, e duas igrejas que considero representativas da paisagem que se obtem do Funchal: a Sé do Funchal e no topo a Igreja da Nossa Senhora do Monte. Junto à igreja do Monte, está a decorrer um arraial, e quem segura nas bandeiras são dois vilhões que são a representação dos homens do Clube do SSS.
Por fim erguem se as bandeiras que são importantes para os madeirenses em New Bedford, a bandeira dos E.U.A., a bandeira de Portugal e como não poderia deixar de ser a bandeira da R.A.M.
Apesar de alguma resistência que houve no início para concretizar este mural,a receptividade das pessoas foi muito melhor do que alguma vez esperei. Muitos emocionaram-se, agradeceram-me por lá ter ido levar um bocadinho de "casa"... e muitos deles nunca vieram à Madeira nem falam português, mas têm um amor tão grande pela nossa ilha que se revêm na imagem que fui pintar.
Para todos os curiosos, podem acompanhar o meu trabalho através da minha página do facebook: www.facebook.com/andorinhapeloceu
ou Instagram: @andoriinha
Só uma curiosidade: recentemente adoptei o nome de Andorinha e é assim que tenho assinado os meus trabalhos. A razão deve-se ao meu avô Cristiano Paixão, que foi uma pessoa com alguma relevância na Camacha pois tinha um papel muito ativo socialmente. Pertenceu à primeira geração do Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha, e passou-me o amor pelo Folclore, pela música e outros costumes tradicionais. Antes de morrer passou vários anos acamado, e quando morreu senti que foi uma libertação tão grande para ele que o associei a um pássaro em voo livre... neste caso a uma andorinha, pássaro esse tão ligado à cultura portuguesa. Portanto, eu sou Andorinha, em homenagem a ele.