Um emigrante madeirense deixou toda a família na Venezuela, onde viveu durante 30 anos, regressou à ilha e construiu uma capela-miradouro com vários espaços de convívio, que disponibiliza sem custos a cada vez mais visitantes.
A capela-miradouro foi erigida no sítio de São Paulo, no concelho da Ribeira Brava, na zona oeste da ilha da Madeira, um local onde, antigamente, várias famílias se reuniam em torno de uma mesa de cimento e azulejos para celebrar o dia de Natal.
“Antes, no dia 25 de dezembro, quando era pequeno, havia pobreza, não havia nada, a gente unia-se ‘rentinho’ [perto] aqui em cima e conversávamos. Entretanto, embarquei e quando regressei queria continuar com aquela tradição”, começou por contar à agência Lusa Manuel Macedo, explicando que fabricou com as próprias mãos a mesa usada nessa altura.
Nesse lugar, hoje, está a capela-miradouro da Sagrada Família, fundada em 2005, onde podem ser encontrados vários espaços com mesas, cadeiras, lareiras, lavatórios com água, uma casa tradicional de Santana (coberta de colmo) e um pequeno parque infantil, todos construídos em cimento e decorados com flores.
A capela está ornamentada com vários santos doados por pessoas que por lá passaram e no local existe também um miradouro que oferece uma paisagem sobre a vila da Ribeira Brava.
Manuel Macedo, um madeirense de 68 anos que se assume como uma pessoa religiosa, emigrou aos 13 para Moçambique e depois para a Venezuela, “à procura de um futuro melhor do que aquele que a terra podia oferecer na época”, no Lombo Furado.
“Estive lá 30 anos [na Venezuela], mas sempre com algum espírito de no resto da minha vida voltar para aqui, para construir esta capela”, explicou, recordando que para retornar à ilha teve de abandonar “todos os bens do mundo” – a família, que deixou há 10 anos.
Outros objetivos deste projeto foram homenagear a mãe – já falecida – e partilhar uma “obra” com todas as pessoas “por igual”, sem qualquer interesse monetário, e com ela “fazer história”.
A capela-miradouro representa 15 anos de trabalho árduo de Manuel Macedo, que no início contou com a colaboração dos residentes: “Se eles não ajudassem isto não se levantava”.
Ainda assim, houve quem se opusesse à iniciativa, com ameaças e atos de vandalismo.
Manuel lembrou uma ocasião em que se dirigiu à capela, como faz todos os dias da semana, e se deparou com cerca de 200 quilos de fezes de galinha depositados à frente do edifício, para que o cheiro afugentasse os visitantes.
Também a câmara, que no início até apoiava a iniciativa, acabou por querer deitar a obra abaixo por não ter licenças.
Algumas das pessoas que começaram por ajudá-lo na construção participaram num abaixo-assinado para impedir a continuação das obras, referiu, lamentando que até a própria família da Venezuela tivesse deixado de enviar dinheiro durante uns tempos para que desistisse.
Começou “do zero”, através de uma luta “complicada” para que a estrada chegasse onde está situada agora a capela.
“Mas eu estou orgulhoso, porque eu sofro muito, mas estou a ver em vida aquilo que desejava. Consegui ultrapassar todos os obstáculos pelos poderes da terra, mas não guardo rancor. Deus diz ‘brinde o inimigo, abraça o inimigo’”, sublinhou, dizendo que já sabia que “este lugar seria histórico”.
A Capela-Miradouro da Sagrada Família tem continuado a atrair visitantes. Muitos chegam lá pela primeira vez com a curiosidade de ver toda a ornamentação, outros chegam de manhã e ficam para almoçar e conviver em família.
“Passam centenas de pessoas por aqui, mas vão passar milhares. Já posso morrer feliz”, comentou, satisfeito com a sua “obra de arte”.