Portugal chega aos Jogos Olímpicos com a melhor geração da história da canoagem nacional. Depois da modalidade ter valido a única medalha em 2012, no Rio de Janeiro há várias opções em aberto. Fernando Pimenta pode tornar-se no primeiro atleta português a ganhar duas medalhas na mesma edição do evento desportivo mais importante do mundo.
A medalha de prata que a dupla constituída por Fernando Pimenta e Emanuel Silva conquistou em Londres, em K2 1000, foi a primeira de sempre da canoagem portuguesa nos Jogos Olímpicos. O canoísta nascido em Ponte de Lima, a vila mais antiga de Portugal, não vai repetir presença nesta categoria, estando focado nas provas K1 1000 (na qual em junho se sagrou campeão da Europa) e K4 1000 (junto a Emanuel Silva, João Ribeiro e David Fernandes). Já com a viagem marcada para o Brasil, foi entrevistado pela Revista PORT.COM no Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho.
Depois da medalha de prata em Londres, vai competir em duas provas no Rio de Janeiro. É um objetivo para si tornar-se no primeiro atleta português a ganhar duas medalhas nos mesmos Jogos Olímpicos?
Claro que isso passa pela cabeça de um atleta que vai participar em duas provas e com condições para poder dizer que está na luta. Ainda para mais um atleta que já foi medalhado em Jogos Olímpicos. Mas claro que não sou só eu com esse objetivo. Por exemplo, o João [Ribeiro] e o Emanuel [Silva] podem ter esse mesmo objetivo, em K2 e K4, e claro que nós estamos cientes da dificuldade. Nuns Jogos Olímpicos não está nada atribuído, não dá para chegar lá e ir logo buscar a medalha. Primeiro temos que conquistar lugar nas finais. Depois voltamos todos à linha de partida e só aí se pode pensar em algo mais. Por vezes basta termos um dia menos bom, termos acordado menos bem-dispostos ou termos tido uma noite menos tranquila, e o resultado já pode ser um pouco diferente.
Repetir o resultado de há quatro anos, ou seja, voltar do Rio Janeiro com uma medalha de prata, considera que seria uma prestação positiva ou ficaria defraudado?
Uma medalha é sempre uma medalha nos Jogos Olímpicos. Creio que já é um excelente resultado. O nível competitivo da canoagem está muito alto, neste momento. Acho que não há nenhum virtual vencedor ou virtual medalhista, está tudo em aberto. Nos últimos anos, os medalhados em campeonatos da Europa, Taças do Mundo e também em campeonatos do mundo têm vindo sempre a sofrer alterações.
Com tanta incerteza nos resultados pode-se, desde já, prever grandes espetáculos…
Exatamente. Isso é bom para a modalidade. Para além de quererem que vença o seu país ou o seu atleta predileto, as pessoas também querem assistir a um bom espetáculo.
Suponho que a preparação deste ano tenha sido feita de forma a que o pico de forma seja alcançado este mês…
Nós temos que pensar sempre, única e exclusivamente, nos Jogos Olímpicos. Todas as provas que fizemos até agora são pura e simplesmente de preparação, para ganharmos ritmo competitivo, para termos boas sensações. Notei na primeira prova da Taça do Mundo em que participei, em que fui 7.º, que me faltava algum ritmo competitivo. A partir daí acho que as coisas começaram a acontecer de forma mais consistente.
Considera que esta geração de canoístas portugueses, a melhor de sempre, é um fenómeno passageiro e irrepetível, ou que Portugal veio para ficar enquanto potência desportiva na canoagem?
Isto é como em tudo. Nós, os atletas, somos efémeros, não duramos para todo o sempre. Eu espero sinceramente que comecem a aparecer novos valores na canoagem portuguesa, mas mesmo países com grande tradição na canoagem, como a Hungria, a Alemanha e a Rússia, não conseguem ter grandes resultados todos os anos. Mas para isso são precisos apoios mais adequados, para que os jovens não abandonem cedo a vida de alta competição e o desporto, até porque o desporto lhes vai trazer regras, bons hábitos, bons costumes, disciplina e humildade, valores que poderão utilizar na vida social.
Considera que a construção deste Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho foi um passo importante para que se continue num bom caminho na canoagem?
Ajuda, sem dúvida. Isto permitiu a residência para atletas-estudantes, atletas-universitários, mesmo ficando um pouco afastado de Coimbra. Atletas que nos seus clubes não têm as melhores condições, ou que até treinam sozinhos, aqui podem estar em estágio sempre com acompanhamento técnico, o que considero importante para esses miúdos não se perderem.
Tudo começou no verão de 2001…
Chega ao Rio de Janeiro com 27 anos acabados de cumprir. Tenciona participar em quantas mais Olimpíadas?
É difícil quantificar isso. Eu tenciono até o meu corpo dizer basta, enquanto eu puder em termos físicos e mentais. A canoagem também é uma modalidade muito desgastante em termos psicológicos, trabalhamos 11 meses e meio por ano. Basicamente só à quinta-feira e ao domingo à tarde temos descanso, também treinamos ao domingo quando não temos competições. Passamos muito tempo longe das famílias, dos amigos, dizemos muitas vezes “não” às pessoas que gostamos, para podermos descansar o melhor possível e no treino seguinte termos o melhor rendimento. Isso custa, claro que não tenciono andar até aos 60 anos em alta competição.
Como surgiu a vontade de praticar canoagem?
A canoagem surgiu na minha vida no verão de 2001, através das férias desportivas do meu atual clube, o Clube Náutico de Ponte de Lima. Não era um miúdo de ficar preso em casa, sempre quis praticar desporto e criar grupos de amigos. Eu costumava passar o verão num campo de férias que nesse verão não abriu, então o meu pai inscreveume na canoagem.
Como correram os primeiros tempos?
O meu primeiro verão foi muito complicado, passava mais tempo dentro de água do que em cima do caiaque. Era um miúdo com pouca coordenação, pouca destreza muscular, pouca força, pouco equilíbrio, que são logo fatores muito importantes na canoagem. Mas no final de agosto fui convidado pelo meu atual treinador, o professor Hélio Lucas, a continuar na equipa de competição, o que até achei um pouco estranho.
Vencer tornou-se logo numa ambição para o jovem Fernando Pimenta?
Fui sempre um atleta ambicioso, mesmo quando era mais novo. Mas o mais importante era a diversão, sem dúvida. Acho que os mais novos devem praticar desporto por animação e ocupação de tempos livres, procurando um bom e saudável grupo de amigos. Muitos dos amigos que fiz em 2001 mantêm-se na atualidade e são aqueles que eu considero verdadeiros amigos, porque sempre me guiaram por bons caminhos, sempre estiveram do meu lado nos bons e maus momentos. Na canoagem nós temos um enorme espirito de entreajuda.
Para além de muitas horas dentro do caiaque, o que é preciso para vingar na canoagem?
É preciso um espírito de sacrifício enorme. Normalmente só se veem aqueles três minutos e pouco de prova, mas por detrás desses três minutos estão muitas horas de trabalho, muitas horas de suor, de frio, de calor. Treinamos todos os dias da semana, treinos bidiários e tridiários, em algumas fases até quadriários. Nós complementamos a nossa modalidade com natação, corrida, ciclismo, BTT, ginásio, ginástica, várias modalidades para depois termos
uma uma melhor performance numa só. É uma modalidade muito exigente, é preciso muita humildade, trabalho, regras e disciplina.
Memórias das celebrações com as comunidades
Convida a comunidade portuguesa no Brasil a apoiar ao vivo a prestação dos canoístas portugueses?
Sim, claro, aqueles que puderem devem estar perto dos atletas portugueses, não só dos canoístas, mas também das outras modalidades. E depois também devem fazer a festa, com ou sem medalha. Mostrar que estão lá para o que der e vier, isso para nós é importante.
Para além destes Jogos Olímpicos, gostava que se tornasse um hábito os emigrantes portugueses acompanharem as prestações dos canoístas portugueses?
Os emigrantes vivem muito o desporto português, não só o futebol. Eu notei isso logo após a medalha de Londres, onde também existem muitos portugueses. Aquilo foi espetacular. Recordo-me que o almoço a seguir à medalha foi num restaurante português em Londres e sentimo-nos em casa. O proprietário ficou super-orgulhoso e recebeu-nos lindamente, como acontece sempre lá fora. Muitas vezes as pessoas até choram quando estão connosco. Isso para nós é motivador porque acho que estamos a ajudar a matar as saudades de casa. Algumas das vezes cruzamo-nos com portugueses que dizem logo que se precisarmos de alguma coisa que já sabemos onde eles estão. O apoio dos emigrantes para nós é extremamente gratificante, não há palavras.
Foto em destaque ©Reuters