Na ilha da Madeira, em pleno centro da cidade do Funchal, na Rua da Carreira, existe um emblemático edifício que alberga, desde 1865, um dos estúdios fotográficos mais antigos do mundo: o Atelier Vicente's.
Já imaginou um museu dentro de um antigo estúdio fotográfico oitocentista? Localizado na capital insular, no Funchal, o Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s é um espaço museológico aberto ao público desde 1982.

VICENTES

 

Fechado durante muitos anos, entre 2014 e 2019, este museu instalado no antigo “studio” fotográfico de Vicente Gomes da Silva (1827-1906) reúne um vasto espólio composto por cenários, máquinas fotográficas, molduras com fotografias originais, livros sobre técnicas fotográficas e um valioso conjunto de 800 mil negativos, datados de 1876 a 1982, à guarda do Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira.
Foi considerado o Museu Português do Ano em 2020, pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), a premiar a paixão e o carinho do seu diretor, funcionários e de todos os madeirenses pelo legado patrimonial e imagético das quatro gerações da Photographia Vicente. Ainda hoje, a “Photograhia Vicente” representa, no panorama do património cultural da Ilha da Madeira, uma das mais prestigiadas e principais casas fotográficas, quer pela sua antiguidade, quer pela sua atividade na mesma família ao longo de quatro gerações.

A fotografia nasceu há 182 anos
Apesar da primeira imagem fotográfica ter sido produzida em 1826, só nos finais dos anos 40 do século XIX o processo fotográfico foi suficientemente divulgado para se assumir como um meio dotado de possibilidades estéticas, através de um sistema de captação de imagem permanente, devidamente aprimorado e oficializado.
O dia 19 de agosto de 1839 acordou com uma notícia: o governo de França anunciou, oficialmente, a invenção da fotografia: um presente “grátis para o mundo”, após ter adquirido a patente deste processo fotográfico. Na verdade, a 6 de janeiro de 1839, a Academia Francesa de Ciências já havia anunciado a invenção do daguerreótipo (a primeira notícia saiu no jornal Gazette de France – ver em francês e em inglês). O autor da proeza foi Louis Daguerre, um físico, pintor, cenógrafo e inventor francês que inventou o daguerreótipo – daguerreotype -, um processo fotográfico desenvolvido em 1837. A era romântica da fotografia feita a preto e branco dava os primeiros passos. Uma estória curiosa e uma invenção tecnológica da Revolução Industrial que mudou o mundo e que inspirou a instituição do Dia Mundial da Fotografia, celebrado a 19 de agosto.

“Atelier Vicente's”: um pouco de história…
A Ilha da Madeira, particularmente a cidade do Funchal, tornou-se um dos destinos exóticos mais procurados pela burguesia e elite europeia da segunda metade do século XIX, em virtude do seu clima ameno, natureza exuberante e a hospitalidade das suas gentes.

Com os navios a vapor que aportavam à Madeira chegavam também as novas ideias e técnicas revolucionárias. Foi o caso da fotografia, uma invenção tecnológica do tempo da revolução industrial.
Ao longo do século XIX estabelecem-se no Funchal os primeiros “studios” fotográficos, nomeadamente: Vicentes Photographos, João Francisco Camacho, Augusto Maria Camacho, Perestrellos Photographos, Augusto César dos Santos e o seu sócio Joaquim Augusto de Sousa.

Em 1846 Vicente Gomes da Silva iniciou a sua atividade profissional como gravador e em 1853, a 27 abril, recebeu a mercê de “gravador de sua Majestade a Imperatriz do Brasil, Duquesa de Bragança”. Em 1856, iniciou a “arte de fotografar” na residência particular.
Em pleno centro da cidade do Funchal, na Rua da Carreira, existe um emblemático edifício que alberga, desde 1865, um dos estúdios fotográficos mais antigos do Mundo: o Atelier Vicente's. Em Portugal apenas subsistem dois – o Atelier Vicente's (Funchal) e a Casa-Estúdio Carlos Relvas (Golegã) -, ambos da segunda metade do século XIX.

Este imóvel era uma antiga propriedade do morgado João Câmara Carvalhal Esmeraldo, negociado e adquirido a 27 de maio de 1865 por Vicente Gomes da Silva (1827-1906). Mais tarde, entre 1886 e 1887, o atelier é alvo de uma profunda remodelação com colunas de ferro e construção de uma varanda corrida sobre o pátio e ampliação da residência para norte – nascente e do “estúdio” para sul.

O objetivo era instalar a nova morada e o atelier fotográfico num único espaço, com boas condições para acolher um público diverso e democrático, “tornando-se num dos mais antigos estúdios abertos ao público no nosso país” e um dos ex-libris do Funchal que muito contribuiu para a transformação da fotografia em produto de consumo, “permitindo que as classes menos abastadas se pudessem retratar, outrora privilégio de ricos”, lê-se na História Familiar/Administrativa/Biográfica do seu espólio documental.

Atelier Vicente’s: sabe onde fica o mais antigo estúdio de fotografia de Portugal?
créditos: OLIRAF
Ao longo da sua história, o Atelier Vicente’s recebeu duas importantes distinções pelos seus trabalhos fotográficos, sendo que a primeira foi concedida em 1866 pelo império Austro-húngaro, na sequência do retrato da Imperatriz Elizabeth D’Aústria (1837–1898), mais comumente conhecida por “Sissi”, que Vicente Gomes da Silva captou em 1860, na Quinta Vigia, tendo sido agraciado com o título de “Photographe de Sa Majesté I’Impératrice d’Austriche”.

Em 1903, o seu filho, Vicente Júnior (1857-1933), foi agraciado com o título de “Photographo da Casa Real Portuguesa”, pelos seus registos fotográficos da primeiro monarca português a visitar possessões ultramarinas: D. Carlos de Bragança (1863-1908) e da Rainha D. Amélia de Orleães (1865-1951) por ocasião da visita régia à ilha da Madeira em 1901.

Por aqui passaram, por exemplo, os exploradores Hermenegildo Cabelo e Roberto Ivens, em 1885, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1921, para efetuar, e imortalizar, um retrato de estúdio a caminho da suas aventuras ultramarinas e explorações cientificas que tanto orgulho deram a Portugal e as lusitanas gentes.

Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s
Inaugurado no ano de 1982, o antigo “Photographia-Museu Vicentes” esteve fechado ao público durante cinco anos (2014-2019). Em julho de 2019, em função das obras de requalificação do edifício e do espaço museológico, que a devolveram ao traçado e características originais, passou a denominar-se “Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s (MFM-AV)”. Reabriu, com pompa e circunstância, para delícia dos amantes da história e arte fotográfica, com com uma exposição temporária intitulada “Tesouros da Fotografia Portuguesa do século XIX”. Recentemente, entre abril e julho de 2021, esteve patente uma exposição temporária sobre a retrospetiva da vida e a obra fotográfica do funchalense João Pestana (1929-2017).

Entre 1852 e 1978, as quatro gerações da família Vicentes documentaram acontecimentos históricos da Ilha da Madeira e retrataram os habitantes, ilustres e menos ilustres, da sociedade madeirense, monarcas portugueses e europeus, presidentes ou aventureiros que passavam por estas latitudes.

Atelier Vicente’s: sabe onde fica o mais antigo estúdio de fotografia de Portugal?
créditos: OLIRAF
Além de manter o “studio” fotográfico original do fotógrafo insular Vicente Gomes da Silva, a Exposição permanente conta com uma vasta e interessante coleção fotográfica de inúmeros fotógrafos, profissionais e amadores, madeirenses: João Francisco Camacho, Vicente Photographos e Perestrellos Photographos.

No mais antigo estúdio de fotografia existente em Portugal, os visitantes têm a possibilidade de observar de perto os cenários e adereços utilizados para fazer um retrato de estúdio, uma coleção de máquinas fotográficas, livros relativos às técnicas fotográficas e ainda mobiliário de época do antigo atelier.

Contém ainda a explicação dos diversos processos fotográficos que fizeram a história da arte fotográfica desde o séc. XIX e XX e de uma sala multimédia onde podemos visualizar um vídeo sobre a fotografia na Ilha da Madeira, materializando os anos de atividade da família de fotógrafos insulares: os Vicentes.

Visitar este museu é reavivar a memória insular e a História da Fotografia no continente Europeu, imaginando como seria o quotidiano e a vivência de um fotógrafo do séc. XIX.
In Sapo Viagens