O ato de batismo n°1 de 4 de janeiro de 1866 da freguesia de São Pedro, capela de Nossa Senhora das Angústias, no Funchal diz: “Aos 4 dias batizei pelos Santos Óleos um indivíduo de sexo masculino, que, por perigo de vida, já havia sido por mim batizado nesta mesma capela, a quem dei o nome de Carlos Alexandre Maurício José Maria Júlio Estanislau Jacques, que nasceu na freguesia de São Pedro, às três e meia horas da manhã do dia 30 de dezembro de 1865, filho legitimo do Excelentíssimo conde Alexandre Carlos de Lambert, já falecido e da Excelentíssima condessa Mara Luiza Margarida de Lambert”.

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A nível histórico, a criança ficou conhecida por Charles de Lambert ou ainda por Charles Alexandre, Conde de Lambert.

Carlos Alexandre, aliás Charles de Lambert, foi celebrado e reconhecido, mas acabou por cair no esquecimento, morrendo na miséria em 26 de fevereiro de 1944, aos 78 anos, em Saint Sylvain d’Anjou, no departamento da Maine et Loire.

Para nos apercebermos do fenómeno Charles de Lambert, citamos aqui os títulos dos jornais da época: no suplemento ilustrado do Petit Journal de 19 de outubro de 1909, lê-se “Segunda-feira 18 de outubro 1909: uma das grandes datas da história da aviação”; no L’Aurore do mesmo dia lê-se “Um voo sensacional do Conde de Lambert”; no La Croix de 20 de outubro, “Soberba caminhada do Conde de Lambert”; na Lanterne também de 20 de outubro lê-se “Uma audaciosa façanha”; L’Auto de 19 de outubro escreveu “O Conde de Lambert ousa e consegue” e na mesma data respetivamente Le Journal e o Parisien titulam “Uma sensacional caminhada aérea” e “Uma data na história da aviação”. Terminamos com o título do jornal La Vie au Grand Air de 23 de outubro de 1909 onde se lê “O Conde de Lambert acaba de conseguir a mais brilhante façanha nunca antes vista da aviação”.

 

O primeiro aviador a voar por cima de Paris
Mas porquê todos estes textos jornalísticos? A resposta encontra-se nos subtítulos dos jornais da época. Aqui fica o subtítulo da proeza descrita no jornal L’Auto: “Um homem voou sobre Paris. Saindo de Juvisy, o Campeão dos Wright, apanha a direção de Paris, vai virar sobre a Torre Eiffel e a 500 metros de altura, volta e pousa em Port Aviation a cinco metros de seu hangar”. A proeza é enorme dado ser a primeira vez na história que um aviador voou por cima da capital francesa.

No campo de aviação de Juvisy uma multidão enorme e compacta assiste a demonstrações aéreas. Às 4h57 o Conde Lambert, pilotando um Biplan Wright, começa a rolar com o seu avião, os espetadores observam o aparelho que se afasta. Mas para onde irá Charles de Lambert com o seu avião? Ninguém sabe. Ao mesmo tempo, a esposa de Lambert sai, acompanhada de uma amiga, de um hotel da Place Vendôme, em Paris e imita os passantes que olham para o céu. Madame Lambert exclama: “É o meu marido!” e recolhe a casa temendo o pior. Uma hora depois, por telefone, é-lhe anunciado que tudo correu bem.

 

Um reconhecimento merecido
Charles de Lambert voará entre 65 a 70 quilómetros por hora, tendo o voo de cerca de 49 quilómetros durado 49 minutos e 39 segundos. Cerca das 5h35 ouvem-se imensos gritos que se elevam da multidão que o espera. Charles de Lambert saúda a multidão, é acolhido e festejado pelos colegas com Champanhe. Foi um dia histórico para a aviação. Charles de Lambert receberá quase imediatamente a Medalha de Ouro do Aeroclube de França e por decreto publicado no Journal Officiel de 19 de dezembro de 1909, é nomeado Chevalier da Légion d’Honneur, como estrangeiro, já que tinha nacionalidade russa, apesar de ter nascido na Madeira e de ser membro de uma antiga família francesa.

Em entrevista ao Parisien, Charles de Lambert dirá humildemente: “Confesso estar muito surpreendido com o barulho que está sendo feito em torno da meu raid e com as ovações recebidos pelo público que me acolheu em Juvisy, no meu regresso ao aeródromo. A 400 metros de altura, a terra parecia imóvel com a sensação de não avançar”.

Para comemorar a iniciativa, Charles de Lambert foi recebido no mesmo dia por Gustave Eiffel durante um banquete.

O jornal L’Avenir de Vichy, de 31 de outubro de 1909, evoca a utilização da expressão “As-tu vu Lambert?”. Historicamente esta expressão – que dataria de 1848 – estava esquecida mas tornou-se novamente uma moda naquele mês de outubro. O jornal conta que “um notório aviador acaba de surpreender Paris, por cima da qual acaba de voar. Duzentas mil pessoas, espetadores de nariz no ar, contemplaram-no seguindo-o com os olhos. No dia a seguir tornou-se racional que se pergunte: ‘As-tu vu Lambert?’. Expressão que os mais novos vão passar a utilizar ao longo do dia”.

 

Um apaixonado pela aviação
Charles de Lambert passou a infância em Pau com o amigo Paul Tissandier (1881-1945), filho do cientista e aeronauta Gaston Tissandier (1843-1899), inventor do primeiro motor elétrico para dirigíveis.

Charles de Lambert voou sozinho pela primeira vez em 18 de março de 1909.

O jornal britânico Daily Mail lançou um desafio oferecendo um prémio de £1.000 ao primeiro homem que atravessasse o Canal da Mancha de avião. Charles de Lambert é tentado pelo desafio. Compra dois Flyer Wright Modelo A e decide instalar-se no Pas-de-Calais para tentar a travessia, estabelecendo-se em Wissant, entre Cap Blanc-Nez e Cap Gris-Nez. A poucos quilómetros de distância, os aviadores Hubert Latham e Louis Blériot também se preparam para a aventura.

A 19 de julho, o primeiro a tentar atravessar o Canal é Hubert Latham, mas um problema elétrico obriga-o a uma aterragem forçada. A 25 de julho, Louis Blériot tenta a sorte, com o sucesso que conhecemos. Foi o fim das esperanças para Charles de Lambert.

O primeiro grande encontro aéreo em França foi organizado em outubro de 1909. O Conde Charles de Lambert participa neste encontro e ganha quase todos os prémios. Para marcar com um golpe de brilho, decide nesse momento lançar-se sobre Paris, contornando a Torre Eiffel.

 

Experiência empresarial falhada
Seguindo a sua paixão por invenções mecânicas, Charles de Lambert deu continuidade ao trabalho realizado com o amigo Paul Tissandier em torno dos primeiros hidrofólios – barcos com casco achatado, que deslizam na água propulsados por uma hélice. Em outubro de 1913, o hidrofólio pilotado por Tissandier bateu o recorde de velocidade sobre a água, atingindo 98,6 km/h.

Após a I Guerra mundial, Charles de Lambert acredita ter chegado o momento de comercializar os seus próprios hidrofólios. Criou a Société Anonyme des Hydroglisseurs, com sede em Nanterre, em 1920. Tentou vender os seus aparelhos à Administração pública, principalmente nas colónias. Equipadas com cabines e motores potentes (200 cv), estas máquinas parecem bem adequadas para o transporte de mercadorias e tropas nos imensos rios da Indochina – o rio Mekong – ou da África Ocidental – o rio Níger. Mas Charles de Lambert é mal sucedido nesta aventura empresarial, o negócio entra em falência, especialmente por causa do incómodo sonoro dos aparelhos.

O Conde de Lambert cai então no esquecimento. Acaba por morrer na miséria em fevereiro de 1944, aos 78 anos.

Aqui fica lembrado Carlos Alexandre Maurício José Maria Júlio Estanislau Jacques aliás Charles, Conde de Lambert, nascido na freguesia de São Pedro no Funchal, na ilha da Madeira.