É uma história inquestionavelmente interessante, mas provavelmente muitos madeirenses a desconhecerão. E foi de algum modo “ressuscitada” por um artigo recente publicado a 7 deste mês no jornal britânico “The Guardian”. Sarah Forbes Bonetta, uma princesa negra do Daomé (hoje Benim), afilhada da Rainha Vitória de Inglaterra, encontra-se sepultada na Madeira, onde faleceu em 1880, de tuberculose.
No cemitério britânico uma lápide recorda a sua memória. Uma memória que um projeto artístico pretende recuperar, na Grã-Bretanha. Uma nova pintura desta interessante personagem, que morreu demasiado cedo, aos 37 anos, pretende lançar uma nova luz sobre pessoas de cor que foram de algum modo ignoradas pela memória coletiva.
Um retrato fotográfico de Sarah Forbes Bonetta, da autoria de Camille Silvy, conservado na “National Portrait Gallery” (galeria nacional do retrato) britânica inspirou a artista plástica Hannah Uzor a reinterpretar Aina (o verdadeiro nome desta mulher negra), a qual fez sensação na alta sociedade britânica dos finais do século XIX.
O novo retrato, recentemente apresentado, pintado por Hannah Uzor e apresentado na supracitada galeria, vem insuflar novo fôlego numa história fascinante.
Nascida numa família real da África ocidental de 1843, Aina perdeu o seu pai numa guerra quando tinha apenas cinco anos de idade. Foi capturada e feita escrava por Gezo, então rei do Daomé (hoje o país africano Benim). Acabaria por ser trazida para Inglaterra por Frederick Forbes, capitão da Marinha Britânica que chegou ao Daomé em 1850, numa missão falhada para persuadir o rei Gezo a desistir do tráfico de escravos. Tudo o que Forbes acabou por conseguir foi a pequena negrinha, como presente diplomático, embarcando-o no seu navio HMS Bonetta, conforme recordava há dias o “The Guardian”.
Ao chegar a Inglaterra, Forbes apresentou a rapariga à rainha Vitória, que se deixou encantar por ela, considerando-a inteligente e viva e que a tornou sua afilhada, tendo-a encontrada múltiplas vezes, incluindo em Osbone, sua residência à beira-mar da ilha de Wight. A soberana assumiria as despesas da educação de Sarah na Serra Leoa e em Gillingham, no condado de Kent.
Sarah Bonetta acabou por se tornar, de certo modo, um símbolo da “missão civilizadora” do império britânico na época. A reinterpretação artística que agora surgiu, da artista Hannah Uzor, ela própria nigeriana, recorda o evento do casamento, mostrando Sarah no seu vestido matrimonial. “Com a minha arte estou interessada em explorar as pessoas negras esquecidas na história britânica, pessoas como Sarah”, disse a artista plástica ao jornal “The Guardian”. “O que acho interessante acerca da Sarah é que ela desafia as nossas assunções acerca do estatuto das mulheres negras na Grã-Bretanha vitoriana”.
Sarah Bonetta viveu em Lagos, na Nigéria, e mais tarde na Madeira, onde morreu de tuberculose, como acontecia a tanta gente na altura. Chamou à sua própria filha Victória, em homenagem à sua madrinha real. E também ela, Victória, se tornou afilhada da famosa e homónima rainha britânica.
O retrato tem o apoio da “English Heritage”, uma instituição protetora e divulgadora do património.
Zaris-Angel Hator representou Sarah Forbes Bonetta na série de televisão da ITV “Victoria”, em 2017.
O seu viúvo, o capitão Davis, com quem Sara Bonetta teve três filhos, no total (Victoria em 1863, Arthur (1871) e Stella (1873), mandou erigir um obelisco de granito em Lagos, onde tinha uma fazenda, com a inscrição “Em memória da princesa Sarah Forbes Bonetta, esposa de J.P.L. Davies, que partiu desta vida na Madeira, a 15 de agosto de 1880, com 37 anos”.