Entrevista a Duarte Nuno chaves, investigador e presidente da casa da Madeira nos Açores
- Para além de investigador, o que faz na universidade dos Açores?
- Para além de investigador e de colaborar na qualidade de docente convidado, estou a desenvolver um projeto de pós-doutoramento, financiado pelo Fundo Regional de Ciência e Tecnologia, que tem como objetivo articular a área do turismo e a produção de conteúdos históricos. Este projeto pretende contribuir para a criação de uma linguagem comum aos vários atores envolvidos na área do turismo cultural e religioso.
A investigação desenvolve-se no âmbito geográfico das regiões autónomas dos Açores e Madeira, sendo que propõe ao conjunto de estudos comparativos que proporcionem um melhor entendimento e conhecimento sobre os contextos e conteúdos de algumas manifestações de religiosidade católica, dedicada ao culto e veneração popular que é consagrada aos santos.
O turismo cultural e religioso, enquanto fator de sustentabilidade local, não pode esquecer o seu compromisso com a memória. A título de curiosidade, posso afirmar que, durante a primeira metade do século XX, nos arquipélagos dos Açores e Madeira, mais de meia centena de eventos de religiosidade popular, de cariz franciscano, oriundos dos séculos XVII e XVIII, caíram no esquecimento, sem que tenham sido realizados estudos que viabilizassem o seu registo para memória futura.
- Como viveu os dias de confinamento por causa da pandemia da Covid-19? Com esta, as videoconferências nunca foram utilizadas mais do que nunca. Considera que estas poderão ser ferramentas que deverão ser mais utilizadas a partir de agora?
- Depois de um primeiro momento de preocupação com o evoluir da situação, tive que adaptar as minhas rotinas diárias, tendo em atenção que iria ficar confinado à minha habitação, por um período, que na altura estava dependente do evoluir da crise pandémica. Um dos problemas iniciais do confinamento foi o quebrar das rotinas e a necessidade de rapidamente nos adaptarmos a um novo ritmo de vida familiar e profissional, com o recurso a uma sociabilização e profissionalização virtual.
A quarentena e, como consequência, o confinamento, não tiveram influência na minha produção científica, já que acabei por terminar os trabalhos E projetos que tinha entre mãos, nomeadamente a redação de alguns artigos científicos. Sobre esta questão, escrevi um pequeno texto para a página do Fundo Regional de Ciência e Tecnologia, onde destaquei a nossa capacidade de suprirmos as adversidades ao longo da nossa história: “Apesar de já se ter desvanecido da nossa memória biográfica, há precisamente 100 anos, o mundo estava a viver um terrível surto pandémico - a Pneumónica ou Gripe Espanhola (1918/19).
A Gripe Espanhola, vitimou, em algumas zonas de Portugal, mais de 10 por cento da nossa população, só na ilha de São Miguel foram perto de dois mil óbitos. Apesar das dificuldades vividas neste período, do século XX, terem sido ampliadas pelas carências avultadas no âmbito da saúde pública, se compararmos com os constrangimentos provocados pelo Covid-19, em 2020, reparamos que o confinamento da população foi uma das soluções adotadas com sucesso, em ambos os casos, para estancar o contágio.
A nossa grande vantagem na atualidade é possuirmos um conjunto de mais, como o teletrabalho, que nos facilita uma rápida adaptação funcional, potenciando novas soluções de mobilidade e desconfinamento virtual, que proporcionam uma nova sustentabilidade da nossa sociedade, com alguma arte engenho a mistura.
Em resposta direta a sua questão, certamente que continuaremos a beneficiar com esta nova dimensão de uma sociedade Ultra conectada e globalizada.
- Que pontos comuns se podem encontrar nas áreas de investigação em história e museologia?
- Os cruzamentos interdisciplinares entre a História e a Museologia são fundamentais para a construção e compreensão dos conteúdos que nos são dados a conhecer pelos museus. De entre as várias funções que estão consagradas os espaços museológicos, a preservação e a difusão da nossa memória cultural, são fundamentais para conhecermos o nosso património cultural nas suas dimensões materiais e imateriais.
Para além da História, outras disciplinas do conhecimento científico colaboram na recolha de fundos e produção de conteúdos, como sejam a Antropologia, Geografia, Sociologia, a Filosofia, etc…
Em termos pessoais e profissionais a minha participação e colaboração com o Museu Vivo do Franciscanismo, na Ribeira Grande, tem sido um bom exemplo desta realidade. O meu trabalho de investigação histórica tem contribuído para a construção de vários projetos que este espaço museológico tem realizado nos últimos anos e, em contrapartida, a minha participação neste projeto possibilitou desenvolver os meus conhecimentos sobre a presença da ordem de São Francisco no espaço insular e Atlântico.
Identidade insular dos Açores, Madeira e Canárias e Cabo Verde aproximam os quatro arquipélagos da macaronésia.
- Sendo natural da ilha da Madeira, o que o motivou a escrever sobre o Senhor dos Terceiros e os seus santos de vestir?
- Posso responder-lhe em sentido inverso, o escrever sobre o “Senhor dos Terceiros e os seus santos de vestir”, nomeadamente sobre a presença franciscana nos Açores levou-me a redescobrir a Madeira.
Desde muito jovem que demonstrei o interesse pelo conhecimento histórico. A investigação não tem naturalidade, nesse sentido, o papel do investigador e do historiador é o de, através do estudo das fontes, redescobrir factos e ocorrências, efetuando a sua análise crítica, permitindo-nos chegar a conclusões sobre acontecimentos do passado.
Ao investigar a presença franciscana nos Açores nos séculos XV e XIX, facilmente descobri que teria que estudar as relações arquipelágicas entre madeirenses e açorianos, para assim conseguir compreender a importância que estes religiosos tiveram na construção de uma identidade cultural insular.
- Em que medida, ao nível da investigação e das academias universitárias, pode haver uma maior partilha do saber, entre os dois arquipélagos?
- Ao nível do conhecimento da nossa memória cultural, essa partilha tem existido nos últimos anos. O CHAM tem realizado, desde 2010, em colaboração com a Santa Casa da Misericórdia das Velas e outras instituições, como a Casa da Madeira nos Açores, um conjunto de colóquios sobre questões de identidade insular, usualmente na ilha de São Jorge, e de forma pontual em outras ilhas do arquipélago dos Açores.
Em 2016, o Centro de Estudos de História do Atlântico, centro de investigação da Direção Regional da Cultura do Governo Regional da Madeira, juntou-se a esta parceria e como resultado, realizamos um colóquio na Madeira em 2018. Estes eventos tiveram como consequência a edição de três publicações de estudos, no âmbito da história insular e Atlântica: “ Aquém e Além de São Jorge: Memória e Visão” no ano de 2014; “Açores e Madeira: Percursos de Memória e Identidade” de 2017; “Memória e Identidade Insular: Religiosidade Festividades e Turismo nos Arquipélagos da Madeira e Açores” em 2019 e para 2020 vamos lançar uma publicação intitulada “Questões de Identidade Insular na Macaronésia”.
Esta ligação aos arquipélagos que compõem a Macaronésia permitiu-nos, para além da Madeira, partilhar conhecimento com colegas das Canárias e Cabo Verde. Dando continuidade, e futuramente, estão em perspetiva outros projetos com instituições destes arquipélagos.
- A casa da Madeira nos Açores consegue aproximar os dos arquipélagos?
- A casa da Madeira nos Açores tem contribuindo, ao longo dos últimos 34 anos, para aproximar e dar a conhecer, culturalmente, os dois arquipélagos, a açorianos e madeirenses. Para os que não conhecem a Casa da Madeira nos Açores (CMA), é uma instituição de utilidade pública, que tem com principal missão a promoção e divulgação do património cultural madeirense no arquipélago dos Açores. Foi fundada em 1986 por um grupo e madeirenses radicados na Ilha de São Miguel. Nas últimas três décadas de existência, a CMA tem desenvolvido um vasto rol de atividades culturais de divulgação do Arquipélago da Madeira nos Açores, contribuindo, assim, para a aproximação dos laços identitários destes dos povos insulares. Tem a sua sede localizada na freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, na Rua da Vitória, 31 C, sendo que possui uma pequena sala auditório (Sala Gaspar Frutuoso), equipada com uma biblioteca composta por um acervo temático que aborda assuntos de história e cultura do Arquipélago da Madeira. O projeto de criação da Biblioteca Gaspar Frutuoso enquadra-se no âmbito da necessidade de acentuar o atlantismo que a presença da Casa da Madeira nos Açores, representa nas relações entre estes dois arquipélagos, que vivem numa comunhão de identidade e insularidade.
- O que nos poderá dizer acerca do seu novo projeto que deverá ser lançado em setembro? Para além das fotografias, o que podemos esperar?
- Na sequência do trabalho que realizei durante o período de confinamento estou a ultimar a edição do livro “Conventos Franciscanos nos Açores do século XXI: Memórias da Província de São João Evangelista”. Este trabalho resulta de um levantamento histórico e de um trabalho fotográfico, e surge da necessidade de um melhor conhecimento, em pleno século XXI, do atual estado de conservação e de inserção urbanística dos antigos espaços conventuais franciscanos, originários da presença dos frades menores nas ilhas dos Açores, particularmente durante o período da Idade Moderna.
É uma edição da editora Letras Lavadas, em colaboração com o Museu Vivo do Franciscanismo e o CHAM – Centro de Humanidades, com a previsão de lançamento para setembro.
Paralelamente, nesta publicação vamos reeditar um texto com mais de 70 anos, da autoria de um frade franciscano, Bartolomeu Ribeiro, que ao visitar os Açores produziu um conjunto de artigos de divulgação, que seriam editados originalmente no “Diário dos Açores”, de Setembro a dezembro de 1947 e, posteriormente, na “Coletânea de Estudos” das Missões Franciscanas em 1949.
in Correio dos Açores 13.06.2020