As novas regras que o Governo britânico quer aplicar aos emigrantes que tentem entrar no Reino Unido não deverão afectar a comunidade portuguesa residente no país, já que nada indica que tenham efeitos retroactivos.

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A comunidade tem muitos licenciados, mas a maioria ainda desempenha tarefas desqualificadas.
Em 2018, havia 141.000 portugueses a viver no Reino Unido. Só nesse ano, entraram naquele país 18 mil portugueses. Para quem tenciona emigrar nos próximos tempos, as regras de entrada podem ser diferentes: o Reino Unido tenciona fechar as suas fronteiras a trabalhadores estrangeiros não qualificados a partir de Janeiro do próximo ano — afectando quem trabalha em fábricas, hotéis e restaurantes. Cerca de metade dos portugueses a viver naquele país entram nessa categoria, mas a medida vai aplicar-se só a quem ainda não está no país.

Nada indica que esta medida possa ser aplicada retroactivamente aos emigrantes portugueses já instalados no Reino Unido, começa por esclarecer Rui Pena Pires, do Observatório da Emigração do ISCTE-IUL. Apesar disso, os dados de 2010, ano dos últimos censos britânicos, mostravam que a maioria (65%) dos emigrantes portugueses desempenhava funções não qualificadas.
A emigração portuguesa para o Reino Unido aumentou entre 2006 e 2015, ano em que emigraram 32.000 pessoas. Desde 2015, a tendência é de queda. Em 2016, o “sim” no referendo do “Brexit” ditou uma baixa de 5%, tendência só contrariada em 2019. Porquê? “Tudo leva a crer que foi porque a fronteira ia fechar e as pessoas quiseram entrar antes que fechasse”, explica o investigador.

As notícias como as desta quarta-feira vão ter um efeito semelhante, acredita Rui Pena Pires: “Vamos assistir a um aumento [na emigração] de última hora.”

Licenciados são maioria dos emigrantes
Se é verdade que há 20 anos a maioria dos que emigravam para o Reino Unido era composta por trabalhadores não qualificados, sabe-se também que agora emigram mais pessoas com pelo menos uma licenciatura. “Desde 2010 a migração cresceu muito, e houve um aumento das pessoas com uma licenciatura, mas mesmo assim não é suficiente para fazer baixar essa percentagem. Actualmente, serão cerca de 50% os trabalhadores a desempenhar funções não qualificadas”, elucida.
De acordo com os dados recolhidos em 2010, os trabalhadores a desempenhar as tarefas “mais desqualificadas de todas” representavam 24% da diáspora portuguesa no Reino Unido. Operários em trabalhos não qualificados eram 10% e vendedores de baixa qualificação 25%, afirma Rui Pena Pires.

Uma parte destes postos de trabalho é ocupada por licenciados. “Os qualificados, isto é, pessoas que têm pelo menos uma licenciatura, são mais de metade da emigração”, acrescenta.

O arquipélago tem sido um dos destinos mais citados pelos enfermeiros portugueses que escolhem emigrar. Em 2014 havia 3155 enfermeiros portugueses inscritos na Ordem dos Enfermeiros do Reino Unido – “nem todos” estão a exercer, diz Pena Pires. Nas novas regras anunciadas esta quarta-feira, os enfermeiros serão sujeitos a uma espécie de regime especial: como desempenham uma função que tem poucos profissionais no Reino Unido podem entrar no país com um contrato de trabalho que pague menos do que o tecto mínimo estabelecido pelas novas regras britânicas: 25 mil libras anuais.

Inglês, um “padrinho” e emprego adequado aos estudos
As novas regras introduzem um sistema por pontos, inspirado no sistema australiano, que irá determinar quais são os migrantes que podem entrar no país para trabalhar a partir de Janeiro de 2021.
Entre as regras obrigatórias conta-se o “nível de inglês requerido”, que vale dez pontos (apesar de não se definir ainda que nível é esse), uma oferta de trabalho aprovada por um “padrinho” (ou sponsor), que vale 20 pontos, e uma oferta de trabalho adequada ao nível de ensino do candidato, outros 20 pontos.

Totalizados, os níveis obrigatórios somam 50 pontos. Depois há níveis que, não sendo obrigatórios, acrescentam pontos extra, como ganhar acima de 25.600 libras por ano (cerca de 30.734 euros), que vale 20 pontos.

In «Público»