O novo trabalho vive muito da música e do vídeo, uma nova estrada que o Dançando com a Diferença começou a percorrer.
"Eu queria que a música e o vídeo ti- vessem preponderância, que fossem muito fortes, (.) quase como se os dois estivesse acima da dança". Norberto Gonçalves da Cruz e Filipe Ferraz trataram disso. Por isso 'Safe' é um espetáculo mais completo, que inclusive levou o grupo a definir interna mente como uma ópera rock. "E essa é a ideia mesmo", revelou. O diretor artístico não sabe se o grupo tem capacidade para ir para outras formas de expressão com sucesso. Aos poucos vem traçando o caminho nesse sentido e assume-o. "Eu não sei se a gente consegue", confessou. As duas últimas coreógrafas que trabalharam com o grupo são artistas multifacetadas e que representaram já essa aproximação. Tânia Carvalho faz música, vídeo e pin ta. La Ribot recentemente também foi premiada em Madrid pelo trabalho em artes visuais. "A gente no fundo vai-se moldando a isso também".
O grupo, diz, não precisa estar "parado numa coisa" e para o futuro pode se aproximar de outras áreas. "Ir mais para o teatro, ir mais para a performance. Eu acho que é mesmo um caminho que a gente tem de trilhar, em função do nosso elenco, porque quanto mais diversidade a gente conseguir, quanto mais respostas diferentes eles conseguirem dar, melhor para o grupo, mas isso é também um crescimento artístico". Henrique Amoedo ficou feliz com a procura. "Isso é um trabalho de formação de público, que é longo, moroso, mas eu acho que e uma aposta, e que a gente tem conseguido fazer com sucesso. O ter a sala cheia por dois dias é reflexo disso", disse. Este trabalho colocou em cena 80 pessoas, entre músicos e bailarinos.
A estratégia passou pela preparação em separado. Amoedo trabalhou a música de um lado, o vídeo do outro, e ainda o grupo avançado do Dançando com a Diferença, o de iniciação, o sénior e as cerca de 30 pessoas da idade que aderiram ao desafio. Não lhes pediu menos do que pede aos seus bailarinos habituais. Os movimentos podem ser mais simples coreograficamente, mas tem de ser executado com mestria. Muito bem feitos, destacou. Professores e outras pessoas ligadas à educação, domésticas e pessoas com deficiência que esperavam por uma oportunidade para entrar no Dançando com Diferença são exemplos desta comunidade presente.
«Safe» é um trabalho sobre migrações forçadas, uma produção apoiada pela antropologista Cristina Santinho e por Filipe Ferraz, músico com formação também nesta área e que é responsável pela componente vídeo. "Ensinaram-me muito", contou Amoedo. Ele e outras pessoas que conheceu no processo e que ajudaram o também coreógrafo a desconstruir ideias pré-concebidas. E dá o exemplo do telemóvel, de inicialmente associar o facto de um refugiado ter um, a não ter assim tantas dificuldades. "O meu raciocínio era «Esses estão com tantas dificuldades, mas têm o seu iPhone, têm o seu Samsung'. E na realidade quando a gente percebe, aquilo é um instrumento, o telemóvel é um meio, é por ali que eles comunicam e conseguem tudo, regularizar os seus documentos, entrar num campo de refugiados, conseguem comida"." Tinha um olhar completamente destorcido". Não é o único. A ideia de que são todos pobres é outra que está errada. Com este trabalho, Henrique Amoedo quer que as pessoas deixem de olhar para esta realidade como fora da sua. "Muitas vezes, as pessoas que a gente julga e vê em situações difíceis podiam ser engenheiros na sua terra de origem. Se eu me colocar no lugar do outro, como é que é? E é isso que a gente vai tentar passar para o público", disse antes da estreia.
In «DIÁRIO»