Críticas, queixas e frustração marcam a forma como as comunidades portuguesas no estrangeiro reagem à escassez de mesas de voto para receber o aumento exponencial do número emigrantes que passaram a ter capacidade eleitoral.
O recenseamento eleitoral automático dos nacionais com cartão de cidadão válido a viver no estrangeiro, introduzido pelas alterações legislativas em agosto de 2018, permite, em teoria, o voto a 1,4 milhões de emigrantes nas eleições para o Parlamento Europeu do próximo fim de semana.
O número compara com 245 mil emigrantes com capacidade eleitoral em 2014, dos quais apenas 5.129 votaram, numa taxa de participação de 2,09%.
Da teoria à prática, no entanto, vão muitas vezes centenas, quando não milhares, de quilómetros, porque o voto nestas eleições é presencial. E essa é a razão principal da frustração, críticas e queixas recolhidas pela Lusa.
Um português que habite na cidade australiana de Perth terá que fazer uma viagem de avião de cinco horas para votar em Sydney, outro que viva nos Estados Unidos em Cheyenne, no Wyoming, terá de fazer 1.884 quilómetros para votar em São Francisco.
Os emigrantes portugueses e luso-americanos recenseados que quiserem votar nos 13 estados abrangidos pelo consulado de São Francisco terão de se deslocar a essa cidade californiana, onde se encontrará a única mesa de voto para toda a área geográfica.
Segundo o vice-presidente local do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CP-CCP), Nelson Ponta-Garça, calcula-se que a participação eleitoral nas europeias não chegue a “uma dúzia de votos”, à semelhança de atos eleitorais anteriores.
Nos Estados Unidos, com o recenseamento automático, 57.127 portugueses poderão votar para as eleições europeias este ano em dez secções de voto disponíveis em todo o país.
Bruno Machado, conselheiro do Conselho das Comunidades em Nova Iorque e Nova Jérsia, diz que é “compreensível” que estas sejam as mesas de voto disponíveis, porque as votações envolvem “muita logística” e os consulados “não têm funcionários suficientes” para fazer mais.
No Canadá, os 55.310 eleitores inscritos poderão exercer o voto presencial em Montreal, Otava, Toronto, Winnipeg e Vancouver. O conselheiro das comunidades portuguesas em Montreal, Daniel Loureiro, disse à Lusa que, até agora, não teve queixas, mas reconheceu que a escassez de mesas de voto é um “grave problema”.
A comunidade portuguesa na Austrália e Nova Zelândia tem 8.100 eleitores e apenas duas mesas de votos disponíveis para votar: uma em Camberra e outra em Sidney. Luís Miguel Carvalho Rodrigues vive na Melbourne e “estava entusiasmado com o recenseamento automático”. Quando consultou o edital das europeias no portal da embaixada portuguesa no país, o entusiasmo passou a indignação.
“Estou na Austrália há quatro anos e, desde então, já participei nas legislativas e nas presidenciais e tive sempre a possibilidade de votar no consulado honorário em Melbourne. Tanto quanto sei, esta será a primeira vez que não existirá aqui uma mesa de voto”, disse à Lusa.
“Não consigo compreender, não só essa falta de disponibilidade, como, especialmente, a falta de informação. Não há em lado nenhum uma resposta, um esclarecimento para que não se possa votar em Melbourne desta vez”, acrescentou.
“As pessoas que realmente têm interesse em participar e exercer o seu dever cívico ficaram bastante revoltadas com esta situação, que levou algumas pessoas a fazer queixas, e outras a fazerem-nos perguntas”, disse à Lusa a conselheira para a Austrália e Nova Zelândia Sílvia Renda.
“Para as presidenciais houve mesas de voto em Melbourne, Sydney, Perth e em outros lugares. Esta situação é mais uma prova da importância do desenvolvimento do voto eletrónico, para que não tenha que acontecer mais vezes no futuro”, concluiu.
Em alguns países europeus, a situação repete-se. Alfredo Stoffel, conselheiro das Comunidades na Alemanha, considera que a “grande dispersão” dos portugueses a viver no país faz com que as secções de voto “não sejam suficientes para garantir uma grande participação dos eleitores”, obrigando-os a percorrer longas distâncias.
“As distâncias podem chegar aos 600 ou 700 quilómetros”, diz o conselheiro. Ele próprio terá fazer 330 quilómetros entre Sassnitz, onde vive, e Berlim para votar nestas europeias, ilustra.
França irá ter nestas eleições europeias oito cidades onde os cidadãos portugueses poderão votar: Paris (com cinco mesas de voto), Orleães, Tours, Bordéus, Lyon, Marselha, Estrasburgo e Toulouse. Luísa Semedo, conselheira das Comunidades Portuguesas e residente na capital francesa diz que este número de mesas de voto não será suficiente e explica porquê: “Temos muitas pessoas em Nantes, a 400 km de Paris, que só têm mesa de voto em Paris. Claro que não vêm votar”, disse à Lusa.
Contactado pela Lusa, o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, anunciou que haverá 156 locais de voto em 70 países, um reforço de 20% face a 2014, mas admitiu que mesmo assim os emigrantes não se sintam satisfeitos. “Infelizmente não conseguimos criar no estrangeiro uma resposta tão próxima e qualificada como a que temos em território nacional”, disse.