Fugiu da Venezuela para a terra dos pais. Estudou Engenharia Civil no Técnico, em Lisboa, mas o custo de vida na capital levou-o a optar pela Madeira.

EmanuelBaptista
Há um fenómeno peculiar nas tabelas de ingresso ao ensino superior publicadas este domingo à meia-noite e um minuto pela Direção-Geral de Ensino Superior (DGES): contra todas as expetativas, a licenciatura com média de ingresso mais alta em Portugal para o próximo ano letivo foi Engenharia Civil na Faculdade de Ciências Exatas e Engenharia da Universidade da Madeira. Mais peculiar ainda é que, na lista de colocados nesse mesmo curso, só consta um nome: Juan Emanuel Aguiar Baptista. Ao telefone com o Observador, é o próprio que explica tudo: Emanuel tem 20 anos, é venezuelano luso-descendente e embora já tenha frequentado Engenharia Civil no Técnico teve de abandonar a capital porque “o custo de vida é extremamente alto”.

Emanuel Baptista está em Portugal há três anos. Antes vivia com os pais em Miranda, um estado da Venezuela nas vizinhanças de Caracas, mas teve de virar costas à terra natal quando a crise no país começou a agravar:

A situação na Venezuela já estava grave. Não havia comida nem alimentação, cuidados médicos nem segurança. Na periferia as coisas pioravam todos os dias, mas na capital ainda havia alguma calma. Cheguei a mudar-me para Caracas, mas até aí a situação começou a deteriorar muito, por isso decidi vir-me embora”, conta o jovem, que entrou para a universidade com 18,94 valores.
A gota de água foi quando Emanuel Baptista foi assaltado na rua. Nesse dia, há três anos, ele e a mãe, que é fisioterapeuta, decidiram voltar para a Madeira, onde tinham raízes, e viver na Vila da Camacha, uma freguesia no concelho de Santa Cruz. Emanuel tinha saído do Colegio Las Acacias, em Caracas, sem ter terminado o ensino secundário: o ensino obrigatório só foi concretizado já em Santa Cruz, na Escola Secundária de Francisco Franco. Por essa altura já Emanuel Baptista sabia bem que passo dar a seguir: desde os 12 anos que queria ser engenheiro civil. Passou a infância toda a brincar com legos e nada o entusiasmava mais do que entrar em lojas de materiais de construção civil.

A longo prazo, Emanuel Baptista sabia que o ensino superior seria uma fase demasiado complicada para ser vivida na Venezuela: “Em condições normais teria sido mais fácil para mim, porque não haveria a barreira da língua nem da cultura. Mas as condições neste momento... Se só para viver lá estão difíceis, para os estudantes estão ainda piores. As universidades não têm quaisquer condições, nem recursos. E a repressão política é particularmente vincada contra os estudantes”, conta.

No ano passado, e exatamente com essa média, Juan Emanuel Aguiar Baptista entrou no curso de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, um dos mais notáveis no ensino das engenharias em Portugal. Chegou a ser admitido nas residências da Universidade de Lisboa, como provam as tabelas publicadas na Internet por esta altura no ano passado, mas isso não bastou para que Emanuel pudesse continuar na capital portuguesa a estudar: “A vida em Lisboa é extremamente cara, o custo dos quartos é extremamente elevado e eu não consegui suportar todos esses custos”, recorda ele.

Emanuel decidiu voltar para a Madeira, para perto da mãe:

Saí do Técnico por causa das condições económicas. Financeiramente não estou nas melhores condições. O Técnico ainda se disponibilizou para me ajudar, mas mesmo com esse apoio, entre custos de habitação, propinas, nunca seria suficiente. Além disso, havia questões pessoais que me faziam querer regressar à Madeira”, confessa ao Observador.

A candidatura à bolsa de estudos da DGES também se mostrou inglória: “Os resultados da bolsa de estudo demoraram tanto tempo a chegar que por essa altura eu já tinha voltado para Santa Cruz. Pediram-me papéis que tinham ficado na Venezuela e que eu não tinha forma de apresentar, por isso o processo foi cancelado“, afirma.

Quando regressou a Santa Cruz, Emanuel Baptista levava no currículo o primeiro semestre de Engenharia Civil concluído. Tinha terminado com mérito todas as cadeiras, por isso não desistiu de frequentar o ensino superior e o curso com que tanto sonhava: “No segundo semestre comecei a frequentar três cadeiras de Engenharia Civil na Madeira como aluno externo, porque foram aquelas a que me consegui inscrever. Agora a entrada pelo concurso normal da DGES foi mais uma formalidade”, explica o estudante.

A diferença é que, no Técnico, o curso tinha um mestrado integrado e na Madeira é apenas uma licenciatura. Isso não preocupa Emanuel, que pretende depois prosseguir estudos na área de Estruturas. E ao que parece não vai estar sozinho no curso — que é na vertente de inglês, apesar de Emanuel dominar a língua portuguesa, porque foi o único formato da licenciatura a abrir vagas: no curso de Engenharia Civil na Universidade da Madeira também entraram outros alunos vindos da Venezuela e alguns da África do Sul. Apenas não constam na lista porque não entraram através do contingente nacional normal.

A seguir ao caso pontual de Emanuel Baptista, os cursos que tiveram média mais alta foram Engenharia Física Tecnológica do Instituto Superior Técnico, com 18,9 valores, e Engenharia Aeroespacial (que era a média mais alta no ano passado), com 18,5 valores. Esses também são alguns dos cursos com maior empregabilidade em Portugal, ao contrário de Engenharia Civil, a escola de Emanuel. Mas as estatísticas não abalam o luso-venezuelano:

Realmente foi-me sugerido ir para esses cursos no Gabinete de Acesso ao Ensino Superior, mas simplesmente não eram os cursos que eu queria. Claro que tive essas opções em mente, mas Engenharia Civil sempre foi o que quis. Também percebo a situação laboral em Portugal mas daqui a cinco anos não se sabe o que vai acontecer ao país”.

Quanto ao próprio futuro, Emanuel Baptista confessa não ter vontade de regressar para a Venezuela a curto prazo, mesmo que a crise comece a aliviar: “A minha vida já está a ser construída aqui. As pessoas que conheço e que quero bem estão aqui. Não quero deixar isso para trás. Só voltaria lá para visitar a terra onde cresci”.

In «Observador»