Dados oficiais indicam que chegaram à Madeira entre a cinco a sete mil pessoas fugidas da Venezuela nos últimos dois anos.

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Elda Andrade poucas vezes ouviu falar português e nunca pensou que, um dia, estaria numa ilha a muitos quilómetros de distância de Trujillo, uma cidade da região andina venezuelana. “A vida era boa antes”, desabafa. O apelido português vem do homem com quem casou; o casal aguentou enquanto conseguiu, mas não se via maneira de alguma coisa melhorar na Venezuela. Elda foi perdendo os clientes. Esta cabeleireira fazia o trabalho ao domicílio, mas num país onde falta o essencial, as pessoas foram dispensando os pequenos luxos: “Nos últimos tempos, quase não tinha trabalho”, diz.

Chegou há poucos dias à Madeira, mas o marido é a única ligação que tem com Portugal. A crise mudou-lhe a vida, tirou-lhe os clientes a quem cortava e arranjava o cabelo, e o marido deixou de ter maneira de manter o autocarro de transporte de pessoas. que tentou desesperadamente manter — na Venezuela o transporte de passageiros faz-se normalmente em cooperativas que juntam vários proprietários de autocarros —, mas deixou de haver peças para automóveis e as que existiam ficavam mais caras a cada dia que passava.

Empurrados pelas circunstâncias, optaram por deixar tudo para trás e rumar à terra onde tinham família e algum apoio. As passagens foram compradas na Madeira e pagas em euros. Para Elda, por ser cidadã venezuelana, a passagem foi mais cara, já que não podia entrar em Portugal e obter o visto de turista sem uma viagem de ida e volta. O bilhete foi comprado em agosto, época alta, e por isso custou 1600 euros, o preço de uma passagem de ida e volta. Yasmina Moreira, mãe de um filho de 20 meses, tinha uma loja de doces em Valência, mas foi apanhada pela crise com um filho recém-nascido nos braços. “Não havia nada. Nem leite. O meu filho tinha fome e estava mal nutrido. E o que dizes a uma criança que tem fome? Que não há que comer?” Foi aí que decidiu juntar-se à irmã que vive na Madeira. Pagou 2500 (€2143) dólares pelos bilhetes, mas não se arrepende: “Agora estou bem, estamos bem e estou muito agradecida às pessoas, à Madeira”.

O filho não tem fome, aumentou de peso e, como Luz Mendes, a designer de Caracas com quem também partilha a frequência das aulas de português,sente que pode começar de novo. Estas aulas que Aura Rodrigues, formada pelo Instituto Camões de Caracas e também ela regressada da Venezuela, dá numa sala da paróquia da Sagrada Família, no Funchal, são um passo essencial para Yasmina, Luz e Elda, aprenderem uma língua nova, e o primeiro passo para começar de novo numa terra longe de casa, e manter laços com os outros venezuelanos.

Luz, que fazia capas de livros e de CD, aguentou até quase não haver trabalho, nem papel nas tipografias para imprimir livros. “Passou para o digital e dispensaram os designers. Nos últimos meses quase não recebia telefonemas dos meus clientes”, explica, emocionada; a Madeira é um bom lugar para começar e tem tantos projetos, tantos sonhos.

Os venezuelanos — palavra que, na Madeira inclui emigrantes e lusodescendentes — não param de chegar. Ana Cristina Monteiro, presidente da associação Venecon, a situação não mudou no último ano. Quem chega “foge das más condições sociais, da falta de comida, de medicamentos e, aqui chegados, enfrentam os mesmos problemas. Muitos são indocumentados, outros esperam mais de um ano pela nacionalidade, mesmo quando são filhos de portugueses; há demoras no reconhecimento dos títulos académicos. Mas as autoridades regionais têm feito tudo para acolher quem chega”.

O aumento de novas inscrições no Instituto de Emprego e no Serviço Regional de Saúde não enganam: 4151 inscrições em dois anos. São sobretudo doentes oncológicos, pessoas com doenças crónicas e, de uma maneira geral, quase todos numa faixa etária mais velha. A vinda destes refugiados também se sente nas escolas; o próximo ano letivo irá começar com mais 700 alunos nas escolas madeirenses.
In «Expresso»