Entre hoje e amanhã terá lugar um Conselho Europeu, em Bruxelas, onde os líderes europeus deverão tentar encontrar soluções para a crise migratória que assola a Europa.
Sabemos que esta iniciativa apenas se deve ao atual clima de tensão e de desconfiança que existe entre diversos países, nomeadamente entre Malta e Itália, decorrente do jogo do empurra em que Roma e Valeta se envolveram, por conta do Aquarius primeiro, e, agora, do Lifeline, um outro navio que transporta mais de 200 migrantes e que nenhum porto italiano ou maltês aceita receber. Aliás, junto à Sicília está o Alexander Maersk, cheio de refugiados, que também ainda não obteve autorização para acostagem e desembarque.
É, portanto, oportuna esta iniciativa e devia-se constituir como uma oportunidade para que a União Europeia defina onde se quer posicionar no que a estas crises diz respeito. Até porque não são uma tendência passageira. Com alargamento dos conflitos e dos movimentos terroristas que se embrenham cada vez mais na África subsaariana, com as alterações climáticas e a décalage cada vez mais acentuada entre os países desenvolvidos e os países mais pobres, a tendência para os próximos anos será de crescimento deste fluxo migratório.
O problema é que parece que os líderes europeus estão apenas interessados em debater as formas de limitar o fluxo às fronteiras europeias. Ninguém parece estar muito interessado em combater as causas nem em encontrar as soluções de acolhimento e integração que todos nós, que partilhamos desta matriz ética judaico-cristã, estamos obrigados.
Sim, a União Europeia não se funda, nem nunca se fundou numa lógica arimeticamente financeira. A União Europeia nasceu de um conjunto de vontades para construir um projeto de paz, assente nos valores da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Aliás, o Tratado da União Europeia faz disso eco, bastante explícito no seu artigo 2.º: “A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres”.
Ora, seria bom que os líderes europeus tivessem isto bem presente durante a cimeira. Até porque os sinais não são encorajadores: Mateo Salvini, na Itália, desenvolve uma política manifestamente hostil para com os migrantes; Viktor Órban, na Hungria, aprova um pacote de medidas que criminalizam a ajuda a migrantes indocumentados (para que se perceba a absoluta distopia, eu, os meus colegas do Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações; da Caritas; do Secretariado Diocesano das Migrações do Funchal; do Alto-Comissariado para as Migrações; dos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes; da Organização Internacional para Migrações; da ACNUR; entre centenas de outras ONG’s humanitárias, seríamos imediatamente detidos); e os movimentos nacionalistas e xenófobos que crescem na Polónia, na Áustria, na República Checa são disso indiciadores.
Parece que são poucos os interessados em promover uma ética da hospitalidade assente na abertura à diferença e no acolhimento ao outro. Assente na empatia, na solidariedade, na compaixão.
Felizmente, também parece estar a nascer uma contracorrente a este nacionalismo anacrónico: Merkel faz compromissos à direita mas não abdica da política de abertura; Macron é uma lufada de ar fresco nesta Europa decrépita que nos recorda o que se passou há 80 anos atrás; Pedro Sánchez parece acompanhar esta tendência e Portugal continua a manifestar-se disponível para acolher quem, de facto e em desespero, nos procura. A questão é: terão estes paladinos dos valores fundadores da Europa força para fazer valer as suas convicções? Não sei. Não sei, mesmo!
É, portanto, com um otimismo moderado que olho para este Conselho. Ainda assim, e mesmo que sem grande esperança, é melhor estar aqui do que não se fazer absolutamente nada.