Gregory Ferreira é um jovem empresário português de 29 anos de idade. De uma família de negócios, herdou do pai a ética e dedicação ao trabalho.

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Começou com uma ideia que rapidamente está a expandir. No nosso país há graves problemas de água e Gregory decidiu fazer alguma coisa para contribuir para uma solução positiva sem que prejudicasse o seu empreendimento. Assim, desenvolveu um sistema de aproveitamento e reciclagem de água na sua lavagem de carros, “Valet Café”, em Linmeyer, sul de Joanesburgo. Composto por um sistema de reciclagem, filtragem e reaproveitamento de água, Greg consegue aproveitar cerca de 90% da sua água, o que reduziu em muito o seu gasto de água de rede e ajudou no seu impacto positivo no meio-ambiente. O Século de Joanesburgo sentou-se com este jovem empresário e visionário, para saber mais como surgiu a ideia e como funciona. Isto, ao sabor de um bom café português, foi o que nos disse.

Michael Gillbee: Dê-nos um pouco do seu historial. Onde é que nasceu? O que é que estudou?

Gregory Ferreira: Nasci aqui na África do Sul. Os meus pais são de origem portuguesa, da ilha da Madeira, Estreito da Calheta. Sempre estive envolvido no negócio de retalho. O meu falecido pai era o dono do “Potato Peeler”. Numa idade tão jovem, eu pensava que ele estava a ser injusto ao obrigar-me a trabalhar, todos os meus amigos estavam a passear e a divertir-se na “Lusitolândia” e ele disse-me “meu rapaz, podes ir ao Lusito quando a loja fechar.” E ele tinha um dos mais movimentados “Fish&Chips” em Joanesburgo, nós só fechávamos às 21 horas, por isso, eu só tinha uma hora para me divertir e estar com os meus amigos no Lusito. Ele costumava dar-me umas palmadas no ombro e dizer “meu rapaz, um dia vais me agradecer”. Numa idade tão tenra não pensamos nisso! Hoje, agradeço ao meu pai, esse incentivo e essa força que me levaram a ter o que tenho hoje. Eu estudei engenharia electrotécnica, o meu pai faleceu enquanto eu tirava o meu curso. Foi também injusto para a minha mãe ter que cuidar do lar, porque eu tenho um irmão mais velho, Dominic e uma irmã mais nova, Fátima. Deixei o curso e comecei a trabalhar. Comecei a trabalhar numa empresa chamada Sanlink International, faziam máquinas de corte e precisão para várias indústrias. Eu nunca fui do tipo de pessoa que trabalhasse para um patrão, por isso aos 18 anos abri o meu primeiro negócio, uma loja de suplementos energéticos para trabalho de ginásio e atletas, em baixo do ginásio Virgin Active no Comaro. Vendi três anos e meio depois e comecei esta lavagem de carros. MG: Há quanto tempo é que está neste local?

GF: Estou aqui há seis anos e meio.

MG: E é dono da propriedade ou é arrendatário?

GF: Eu alugo

MG: Mas a lavagem de carros é sua?

GF: É sim, o negócio é meu!

MG: O que é que o motivou para além de querer contribuir em casa, para começar a trabalhar por conta própria?

GF: Sim, sem dúvida que foi o estímulo e os ensinamentos do meu pai. Penso também que a família é uma de grande sucesso no mundo empresarial e que advém daí também. Tios nossos, o Cristóvão, é o dono do “Westpak Lifestyle”, Johnny de Ponte, que são primos nossos, têm talhos “Roots”. Portanto, vimos de uma família que sempre esteve orientada para os negócios. Eu vivo pela filosofia de que temos que “temos que arriscar para apanhar o biscoito”, diz-se em Portugal “quem não arrisca, não petisca”, não é? E uma coisa é verdade, o arrependimento vive-se com ele para sempre. Ofereceram-me este negócio enquanto tinha o outro e ainda as minhas bebidas energéticas, eu não estava focado nisto...

MG: Como é que se chamava a sua marca de bebidas energéticas?

GF: Eu e um grande amigo meu, Dany Jardim, tínhamos uma marca de bebidas energéticas chamadas “Tap Out Energy”, que era uma bebida com sem açúcar e sem calorias. Mas o mercado estava saturado e é difícil competir com marcas como Dragon, Red Bull, etc. Ofereceram-me este negócio e todos me disseram “não o faças, não vai dar certo”, mas eu sou do tipo de homem que se me disserem “não faças”, eu faço. Comecei com o negócio, que não era meu, estava a lavar apenas 306 carros por mês e neste momento estamos a lavar 3500 carros por mês.

MG: É, portanto, um negócio rentável?

GF: É. Dá é muito trabalho, muitas horas, mas como dizia o meu pai “se não estiveres no teu negócio a tempo inteiro, é difícil vê-lo funcionar”. É mais fácil quando se está cá e também ajuda a construir-se uma relação com os nossos clientes. Os clientes querem ver-me, é regular eu receber chamadas “está na lavagem? Quero tomar um café consigo”.

MG: Isto pertenceu a outra pessoa ou começou do zero?

GF: Não, não. Isto pertencia a outro dono, mas estava completamente delapidado.

MG: Então, quando tomou conta, em que estado é que estava?

GF: Estava praticamente fechado! Como disse, estavam a tratar 300 carros por mês, se isso. Mas não tinham aspiradores, tinham uma zona de lavagem, tinham duas zonas de secagem. Eu adicionei o resto!

MG: Portanto, agora tem três zonas de lavagem e...

GF: Sim, com 14 zonas de secagem, o café, zona de espera. MG: E também tratam dos carros de vários agentes de venda ali no Glen? GF: Sim. Trabalhamos com a BMW Auto Glen, Land Rover e Jaguar, trabalhamos com a Audi, Rifle Range Car Sales, New Vaal South. Tenho equipas que também trabalham com os stands automóveis, no dia 1 de Março começámos a trabalhar com a BMW Auto Glen, depois do carro ter feito a revisão, nós limpamos os carros e os stands. Num negócio pequeno como este, eu tenho 60 pessoas a trabalhar comigo.

MG: Portanto, emprega 60 pessoas? GF: Sim. MG: E quantos é que são portugueses? GF: Tenho dois, um senhor que estou a ajudar e um moçambicano que trabalhava para o meu pai. MG: De 306 carros por mês quando pegou no négocio para 3500 por mês, cresceu o negócio exponencialmente. Vê-se abrir uma segunda lavagem de carros com este conceito?

GF: Olhe, eu gostaria de fazer franchising, mas antes disso gostaria de me certificar que este está operacional a 100%. Portanto, se vierem ter comigo e disserem “Greg, quero abrir um franchise em Sandton”, quero ser capaz de dar um livro/dossier com tudo o que é preciso para que corra de igual maneira a este. Há alguns problemas que temos que resolver ainda, mas vamos chegar lá. Mas, para além desses desafios a resolver, gostaria muito de franchisar. É engraçado, que pedem-me muitas vezes para o fazer. Mas para já, para já não.

MG: A área é um problema?

GF: Eu cresci aqui, portanto não a vejo como problemática. Há pessoas com dinheiro em todo lado e pessoas com menos posses em todo o lado. A área susteve-se ao longo do tempo.

MG: Tem carros muito bons aqui. É uma zona, que portanto, não indica problemas ou falta de capital. GF: Temos aqui clientes com Aston Martin, McLaren, Porsche. MG: Por causa desses carros, tem algumas ceras ou shampoos especiais?

GF: Membros da minha família são donos da “Cedar Chem”, onde compro todos os meus químicos, não vou a mais lado nenhum. Uma das coisas que consigo garantir, é que estamos sempre a trabalhar para melhorar os nossos produtos. Uso uma espuma com sabão e cera, que vêm através de uma máquina de fazer espuma. Mas, estamos constantemente a trabalhar para melhorar esse produto. Vê-se, neste shampoo de carro, como o carro brilha apenas com uma lavagem. Também fazemos polimentos, renovações de opticas de carros, o que fazemos também para os stands automóveis que já referi. Fazemos lavagens de chassis, lavagens de motor, estofos.

MG: Explique-nos o serviço completo.

GF: Num valet completo começamos com lavagem total. Usamos um produto especial para limpar as jantes. Lavamos o chassis, lavagem de motor e depois uma limpeza completa do interior. Forro do tejadilho, painéis de portas, tapetes e carpetes do carro, assentos. Se os assentos forem de couro, fazemos uma limpeza de couro e tratamento.

MG: E quanto tempo é que demora?

GF: Em média é um trabalho para seis a sete horas. Como dizemos, quando o cliente recebe o carro, é novo em folha mas segunda mão! É isso que nós garantimos.

MG: Mas o ponto especial é a reciclagem de água. Como é aconteceu? Foi devido a custos? Consciência ambiental?

GF: Tivemos um problema no inicio em que os funcionários da “Jo’burg Water” vieram ter connosco inspeccionar porque alegavam que tínhamos ligações a furos de água ilegais. Houve alguém que nos denunciou em relação a isso. Fizemos um buraco para enterrar o tanque de 2500 litros, o que nos levou uma semana a fazer. A esta altura, também com a escassez de água, não posso parar. Eu penso que a maioria dos portugueses são assim, pelo menos eu sou, tiramos a nossa camisa para dar aos outros. E é assim que eu sou. Não posso fechar por não termos água e ver 60 pessoas, 60 famílias que dependem de mim, não terem emprego. São 60 famílias, se cada família tiver duas pessoas, dessas 60 que emprego já são 120 que dependem deste emprego, são pessoas que não vão ter o que comer.

MG: Porque 60 pessoas que emprega ganham um ordenado que sustenta uma família.

GF: Eu comecei a pensar e ocorreu-me na reciclagem de água. Liguei ao Dani da Silva, que é canalizador. A razão pela qual preciso de “atestar” os meus tanques com água da rede, pelo menos uma vez por semana, é porque devido à evaporação e também não quero que a água estagne e ganhe cheiros e bactérias. Falei com o Aidin Pereira, o pai é dono da “Uni Pumps”, Tony Pereira. Ele explicou-me que tinha que colocar o que é basicamente uma bomba de água de uma piscina e um filtro de areia. Explicoume que precisava de usar um filtro de carbono para eliminar cheiros. Vamos aumentar as bombas e incrementar os filtros.

MG: Foi também um bocadinho tentativa e erro.

GF: Sim, porque ainda ninguém tinha feito isto. Experimentámos, usámos primeiro uma bomba, depois a outra.

MG: E quando é que viu que estava no ponto certo?

GF: Depois de dois meses e meio. E ainda não estou completamente feliz! Quero que a água seja ainda mais purificada, não quero usar tanta água da rede! Mas uma coisa que as pessoas criticam as lavagens de carros sem saber, dizem-me “estar a gastar muita água”. Mas, ao usarmos uma mangueira de alta pressão, é 75% ar e 25% água. Usamos menos água com estas mangueiras e máquinas de pressão do que com uma mangueira normal de jardim. Mas a água é um problema e temos que ver de que outras e novas formas a podemos poupar e reciclar. Talvez captar água das chuvas também estou a pensar nisso. Porque regularmente, quando há aqui cortes de água no bairro, as pessoas vêm abastecer-se de água aqui connosco, para nas casas em Linmeyer, encherem os autoclismos.

MG: O Gregory ajuda não só a preservar o ambiente, mas a comunidade local aqui em Linmeyer.

GF: Sim, com todo o gosto. Somos portugueses, nós ajudamos com o coração aqueles que têm menos ou que precisam!

MG: Este sistema ainda não está aperfeiçoado, segundo o Gregory diz. O que é que falta?
GF: Quero chegar ao ponto de que a água é potável ou praticamente potável.

MG: Portanto, neste momento não é potável, não se pode beber?

GF: [exclama] Não, de modo nenhum. Eu não a beberia e se eu não o faria, não vou deixar que ninguém o faça. Eu diria que nas próximas três ou quatro semanas, vamos retirar o tanque subterrâneo, vamos construir uma cisterna com outro separador e adicionar mais dois filtros. Teremos então quatro filtros, mas vamos aumentar para filtros de quarenta sacos.

MG: E explique-nos como é funciona? Por alto. O carro está na zona de lavagem, está a ser lavado e essa água com impurezas vai para onde?

GF: A água primeiro entra nas grelhas de escoamento e entra para um separador. Separa os óleos dos sabões e das areias. A areia é o elemento mais pesado e portanto precipita-se logo para o fundo e usamos isso também como um filtro primário. Depois, o segundo filtro separa o óleo e impurezas como folhas. Daí, a água é bombeada para um filtro de carbono e filtro de areia. E no topo temos dois tanques de cinco mil litros. Num total tenho 12 500 litros de água. Não temos tido água em Linmeyer há mais de uma semana e nós continuamos a operar. Dos dois tanques exteriores, entra novamente no sistema de alta pressão e volta a lavar carros. Com a evaporação perde-se sempre alguma coisa, mas estamos na casa dos perto de 90%.

MG: O seu negócio, está a crescer diariamente?

GF: Sim, graças a Deus. Todos os dias temos mais carros e clientes novos.

MG: A área é muito importante, numa estrada movimentada.

GF: Sim, o local ajuda muito. Estamos sempre ocupados, com o crescimento mensal, com as chuvas que temos tido, temos alturas menos movimentadas. Mas, levamos o bom com o mau e em média estamos a crescer todos os meses. Um ponto importante é o serviço ao cliente. O meu pai sempre nos ensinou isso, quando havia filas a sair da loja, ir às pessoas eu e a minha irmã, dar pedacinhos de “russian de queijo” ou garrafas de água às pessoas à espera. E todos conheciam o meu pai pelas suas batatas fritas e molhos, no “Potato Peeler”. Eu incuti isso aqui na lavagem de carros. Com uma lavagem completa, o cliente recebe um café grátis. Ajudamos os reformados, às quartas-feiras. Nesse dia lavamos cerca de 50 carros só de reformados.

MG: O que é que o Futuro lhe reserva? Vê abrir o mesmo conceito em Cape Town? Durban? Onde há escassez de água?

GF: Gostaria de ajudar as pessoas com a ideia e o conceito e implementa-lo. Seja para uma coisa como tomar um duche, nós sem electricidade conseguimos viver, fazemos um plano. Mas, sem água? Impossível! É um bem de primeira necessidade, eu não me importo de ajudar as pessoas. Não tenho segredos, explico como fiz e se puder ajudar pessoas, irei ajudar. Especialmente em zonas rurais ou que têm dificuldades de água como agora a cidade de Cape Town. Tenho muitas pessoas que vêm do Botswana que estão a abrir lavagens de carros lá e querem a minha ajuda. Eu sei que o KFC não dá a sua receita de frango, mas eu não me importo de ajudar. Quero crescer, mas quanto mais se cresce, depois maior é a queda. Quero manter as coisas à mão, acabei de ser pai pela segunda vez, tenho duas filhas que são as minhas bênçãos e que me motivam para acordar todos os dias. Quero passar o máximo de tempo possível com elas, portanto crescer sim, mas sem deixar a família de lado.

MG: Acha que nós portugueses trabalhamos de mais?

GF: Sim. Sem dúvida alguma. Mas faz parte da nossa natureza. O meu avô era o dono do “Ben’s Fish&Chips”, vem daí. O meu pai continuou com o “Ben’s Fish&Chips” em Benrose e quando a zona deteriorou-se muito, mudou-se para o “Potato Peeler” em Rosenttenvile e esteve lá sempre. Eu cresci sempre com a vontade, o meu pai sempre me disse “eu vejo-te a trabalhar por conta própria. Eu estou a tentar ensinar-te hoje para teres benefícios no Futuro”. E se o meu pai fosse vivo hoje, agradecer-lhe-ia por tudo.

MG: Para quem está a começar na vida, a querer abrir um negócio próprio, que conselhos é que dá?

GF: Como disse anteriormente, “quem não arrisca, não petisca”. Se não aproveitarmos uma oportunidade e outra pessoa o fizer, esse arrependimento “corroí-nos” para o resto da Vida. Se se tiver uma família forte, a minha mãe ajuda-me muito, os meus irmãos e a minha esposa também, claro. Consegue-se tudo! Precisamos de mais jovens empresários, tenho sido o meu patrão desde os 18 anos e nunca olhei para trás. Há meses mais duros sim e, em que queremos deitar a toalha ao chão e ir trabalhar para um patrão para ter um salário garantido. Mas, agora com filhos, percebo porque é que quero ser o meu patrão.

In «O Século de Joanesburgo»