Depois do sonho desfeito da emigração, a esperança no regresso à terra com 75 anos de idade.
As histórias da emigração nem sempre são de sucesso. Pensamos sempre que sim, mas não são. Para muitos, foi o sonho da aventura que os levou a uma aventura de sonho. Para outros, a aventura que os levou foi diretamente proporcional à desventura que os acompanhou. Sem dó nem piedade. E também foi nesse contexto, enquanto aventura, que apostaram tudo e sofreram tudo, uns com finais felizes, outros com muitos escolhos pelo caminho que, em inúmeras situações, ficam nas recordações sem alguém a quem contar. Simplesmente, porque não têm família, mas mesmo que tenham, em grau mais afastado, acabam por perceber que a distância funciona como o melhor conforto que encontram em contraponto com a proximidade indesejada.
Vai para um lar em Santana
José Humberto Teixeira João, 75 anos de idade, natural do Funchal e uma vida de emigrante. Chegou hoje à Madeira. Veio por vontade própria, pediu ajuda e encontrou eco numa articulação entre os serviços das Comunidades Madeirenses e a Segurança Social. Vai viver para um Lar, em Santana, embora o Funchal fosse o novo pequeno grande sonho deste regresso com “uma mão à frente e outra atrás”, como se diz popularmente de quem foi à espera de tudo e veio com nada para mostrar. Resta-lhe a esperança da (sua) terra e um resto de vida que lhe possa, de alguma forma, dar a (pouca) esperança que há muito tempo perdeu pelo caminho. Quer, deste sonhar de 75 anos, que o pouco seja tudo para ficar e ser feliz. Para poder falar sem cair as lágrimas que hoje transbordam quando fala da África do Sul e do que lá passou. Se pensou que o mundo estaria a seus pés, foi esse mundo que desabou sobre a sua cabeça. Volta às origens, ao reencontro com o mundo que deixou. Só o futuro ditará se é o mundo das expetativas que criou para este novo impulso que quis dar.
Acidente deixou-o à “beira da morte”
Há perto de 50 anos, depois da tropa, este mecânico de automóveis, diz que “arranjava carros pequenos e camiões”, que trabalhou na empresa “engenheiro Pires” e no Arsenal, decidiu emigrar. Na altura, não havia tempo para pensar muito nas decisões, não era pessoa para isso também, decidiu e pronto. Nem tinha família na África do Sul, como muitos, que iam e mandavam buscar. Não tinha, mas foi na mesma, trabalhou no que gostava de fazer, mas cedo se apercebeu que as coisas não são propriamente um “click” de sorte, são também “click” de azar.
Foi vivendo, mas vivendo pouco, encontrou alguns amigos que o ajudaram, mas com o passar dos anos, sem contar tudo ao pormenor, foi ficando num patamar de desilusão. É verdade que o acidente de automóvel que sofreu, em 83, deixou-o à beira da morte, durante 18 dias, e cortou-lhe parte do que sonhara. Mas como refere “tive sorte, Deus ajudou-me”. Ficou de certa forma limitado. Depois, nada foi como era. Vieram problemas de saúde, uma operação que era para fazer mas que mandaram para casa. E depois dos 60, diz, “aquele país não trata bem as pessoas”. Além disso, a vida ficou mais cara e tudo se tornou mais difícil. Tinha pouco para viver, a Igreja Portuguesa dava-lhe comida e contava com alguns amigos.
Portugal no Coração “abriu horizontes”
Não foi surpreendente, por isso, que fosse bater a um Lar. Foi até hoje o seu local de residência. Lamenta-se de não ter sido bem tratado na África do Sul, queixa-se da falta de limpeza das instalações onde se encontrava e viu na iniciativa Portugal no Coração, que o trouxe há três anos, uma oportunidade daquilo a que podemos chamar de “luz ao fundo do túnel”. Pensou, falou na possibilidade de regressar. Os serviços responsáveis pelas comunidades madeirenses, no âmbito do Governo Regional, e a Segurança Social da Madeira, não largaram o caso e conseguiram trazê-lo de volta. Foi um longo processo, mas já está. Chegou a tal ponto que o regresso, fosse como fosse, era o caminho melhor. Regressar, nem pensar: “Nem com uma pistola encostada à cabeça se eu volto”.
Humberto Teixeira tem uns primos na Madeira, não lhes disse que vinha, vai pensar no assunto. Tem dúvidas, faz uma pausa para pensar em voz alta e diz que, se calhar, nem eles queriam que viesse. Não sabe. Nem sabe se está disposto a saber. No fundo, quer. Está entre a razão e o coração. E por aquilo que o coração tem “dito”, nem sempre a razão responde na mesma “moeda”. Agora, em Santana, para onde não gostaria de ir mas para já tem que ser, terá tempo para amadurecer a ideia.