Enquanto o Parlamento discute a proposta de lei, o Governo prepara o sistema para o recenseamento automáticos dos emigrantes. A alteração aumentará a capacidade eleitoral dos emigrantes e acabará com eleitores-fantasma.
Mais de um milhão de novos eleitores residentes fora de Portugal é o resultado obtido pelo trabalho de preparação da rede consular para o recenseamento automático dos emigrantes portugueses portadores de Cartão do Cidadão.
O número actual de recenseados naquela rede, através de inscrição autónoma e presencial dos emigrantes, é de 300 mil. Se for aprovado o recenseamento automático, esse número subirá para 1.373.439 eleitores, de acordo com o estudo de preparação para o novo sistema a introduzir por uma proposta de lei aprovada pelo Conselho de Ministros em Abril e agora em debate no Parlamento.
"Quero destacar o esforço técnico que foi feito e sublinhar o trabalho dos serviços da Comissão Organizadora do Recenseamento Eleitoral dos Portugueses no Estrangeiro (COREPE) e da administração eleitoral, assim como o empenhamento da secretária de Estado adjunta da Administração Interna, Isabel Oneto", afirmou ao PÚBLICO o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, considerando que se esta alteração for aprovada pelo Parlamento, ela representa uma "mudança histórica desejada há quarenta anos".
Como prova do "significado profundo" desta alteração, José Luís Carneiro salientou que "não houve deslocação" por si feita ao estrangeiro "em que não houvesse desagrado de portugueses" emigrados pelo "facto de em Portugal se ficar automaticamente recenseado com o Cartão do Cidadão e no estrangeiro os emigrantes terem de se deslocar, por vezes em grandes distâncias, para se recensearem".
O secretário de Estado das Comunidades salientou ainda que "o primeiro obstáculo" à nova lei "foi ultrapassar e desmentir a ideia de que não era possível fazer" este recenseamento automático. "Havia uma pré-disposição de que era praticamente impossível, que era inexequível”.
De acordo com a informação obtida pelo PÚBLICO, entre Junho e Novembro deste ano foi feito o mapeamento dos portugueses que têm residência no estrangeiro segundo os dados do Cartão do Cidadão. O levantamento começou por envolver 162 países.
Numa segunda fase, foi feita a comparação entre as moradas e as comissões eleitorais em que os portugueses estão recenseados no estrangeiro, uma rede de comissões que abrange cerca de 130 países. Refira-se que estas comissões podem existir mais do que uma no mesmo país ou uma que agrega vários países. Por exemplo, os emigrantes nas ilhas das Caraíbas estão todos recenseados no consulado de Paris, com o Oceano Atlântico pelo meio e têm de ir recensear-se presencialmente à capital francesa se quiserem votar.
Foi este trabalho de levantamento e análise que permitiu concluir que, com o recenseamento automático, o universo de eleitores entre os emigrantes subirá dos actuais 300 mil eleitores fora de Portugal para 1.373.439 eleitores. Refira-se que nas legislativas, em que há voto por correspondência, votam apenas 30 mil emigrantes em média e nas presidenciais, em que o voto é presencial, ainda é menor o número de votantes, entre 10 e 12 mil.
O alargamento do recenseamento automático aos emigrantes, ao aumentar o universo eleitoral no estrangeiro, irá provavelmente fazer subir a abstenção eleitoral nos círculos eleitorais de fora de Portugal. Mas reduzirá essa mesma abstenção no território nacional, já que muitos dos actuais emigrantes estão recenseados nas suas freguesias de origem onde nunca votam, isto é, são eleitores-fantasma.
A proposta de lei que altera o sistema de recenseamento dos emigrantes e o unifica com o praticado no território nacional está em debate na Assembleia da República onde o PCP tem levantado a questão da sua inconstitucionalidade, uma vez que o ponto 2 do artigo 121º da Constituição diz que, para eleger o Presidente da República, tem de ficar provada a ligação à comunidade nacional. Ora, a argumentação do Governo tem sido a de que o Cartão do Cidadão resolve este problema uma vez que só é passado a quem tem nacionalidade portuguesa e esta só é atribuída a quem fala português.
Por outro lado, a ligação à comunidade fica assegurada, segundo o Governo, porque nas presidenciais os emigrantes têm de votar presencialmente nas mesas de voto no estrangeiro, ou seja, têm de se deslocar, mostrando interesse e ligação à comunidade. É esta a razão que leva o Governo a rejeitar a proposta do PSD para permitir voto por correspondência e voto presencial em ambas as eleições.