Dário Gouveia uma criança luso-sul-africana de nove anos começou uma associação de solidariedade social Sole2Sole. Já angariou mais de oito mil pares de sapatos e o número não pára de aumentar. Com as suas acções já inspirou outras crianças na África do Sul e na Nova Zelândia a dar e começar movimentos de solidariedade social.

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O Século de Joanesburgo quis saber mais, como é que começou e quais os objectivos desta angariação de sapatos. Em sua casa, em Meyersdal, na companhia da mãe Zita Gouveia e da irmã, sentámo-nos com Dário Gouveia a conversar.
Michael Gillbee - Dê-nos um pouco do seu historial. Onde é que nasceu? Que idade é que tem? Dário Gouveia - Sim, nasci na África do Sul. Tenho nove anos de idade, faço dez em Setembro. MG - Qual é a escola que frequenta?
DG - Marist Brothers em Linmeyer.
MG - Quando é que começou esta organização de solidariedade social?
DG - Em Fevereiro deste ano.
MG - E até agora, já angariou quantos pares de sapatos?
DG - 8. 872 pares de sapatos, desde Fevereiro deste ano.
MG - Explique-nos de onde é que esta ideia veio?
DG - Um par novinho em folha de sapatos Green Cross deixaram de me servir. A minha mãe ficou um pouco triste porque os sapatos foram comprados há muito pouco tempo e deixaram logo de me servir. Fomos dar uma volta de carro por aqui, no Sul de Joanesburgo e no semáforo vi um rapaz como eu, descalço a dar pontapés em pedras e tinha os pés cortados. Eu falei com a minha mãe, viemos para casa, vim buscar os sapatos que me tinham deixado de servir e fui entregá-los a esse menino.
MG - Como é que passou desse acto de caridade a criar uma organização de solidariedade social?
DG - Bem, eu depois escrevi uma carta, a dizer que queria angariar mil pares de sapatos.
MG - Mas a quem é que escreveu a carta?
DG - A todos os meus amigos e colegas de escola e eles depois deram a carta aos pais em casa, os pais a amigos e assim cresceu.
MG - Do seu par de sapatos, aos seus amigos e colegas da escola, foi uma acção que cresceu. Mas agora tem um nome próprio. É uma organização registada. Como é que a criou? O nome? DG - Sim. Quando comecei esta iniciativa, consegui que toda a família ajudasse. O meu pai ajuda a recolher pares de sapatos. Os meus avós também. A minha irmã e mãe ajudam-me a separá-los, sorteá-los e empacotá-los. Zita Gouveia - Criámos também vários pontos de recolha por toda a cidade, entre amigos e familiares e certos pontos em centros comerciais, temos pontos de recolha. Isto porque eu trabalho e a resposta à iniciativa do Dário foi tão fenomenal que tornou-se muito difícil ir todos os dias a vários pontos de Joanesburgo recolher sacos e sacos de pares de sapatos. A carta que o Dário escreveu, através das redes sociais como o Facebook, tornou-se numa coisa viral. As pessoas começaram a telefonar-nos a dizer “quero participar, estou no Norte, onde posso entregar os sapatos?”
MG - A Zita, enquanto Mãe e como adulta, pensou certamente que “isto agora é uma coisa a sério”? Quando é que se sentaram e pensaram no nome e registá-lo?
ZG - Claro que sim. Quando eu notei que a carta se tornou viral, o Brent Lindeque, que é um jornalista do sítio da Internet “The Good Things Guy”, apercebeu-se do burburinho e publicou a carta. A partir daí, ficou uma coisa imparável.
DG - [interrompe a Mãe] a partir daí as estações de rádio convidaram-me para ir a programas, jornais, programas de televisão...
ZG - Não tinham passado nem sequer duas semanas e já tínhamos recolhido mais de 400 pares de sapatos. Portanto, foi aí que nos apercebemos que isto ia ser grande.
MG - De onde é que surgiu o nome Sole2Sole?
ZG - O nome fui eu que inventei. Tínhamos que criar um nome giro, criativo e diferente.
DG - Porque existe outra organização chamada Sole4- Souls. Então quisemos fazer algo nosso e diferente.
ZG - Sim filho, mas essa é uma organização de caridade social que recolhe todo o tipo de coisas. Brinquedos, roupas, sapatos, comida. E, eles até nos contactaram a nós depois. E querem fazer algo connosco.
MG - Uma pessoa deixa um par de sapatos, depois para onde é que os sapatos vão? E qual é o processo de sorteio?
DG - Nós percorremos os vários locais de depósito de sapatos. Recolhemos os sapatos, com elásticos atamos os sapatos e colocamo-los dentro de sacos. Colocamos uma nota agrafada “com amor, sole2sole”. Distribuímos os sapatos a orfanatos, escolas, bairros degradados (squatter camps) e nas townships.
MG - O objectivo, por de trás desta acção, é que quer tornar a África do Sul num país melhor? Portanto, quando vai às zonas mais desfavorecidas da cidade, sente que não está certo? ZG - [para o filho] o que é que tu dizes sempre à Mamã sobre o lixo?
DG - O lixo de uma pessoa, pode ser um tesouro para outra. Eu penso que temos tanta coisa em casa, que já não nos servem, que já não usamos, que deixamos de gostar. Assim, podemos ajudar tantas pessoas, porque ao darmos as nossas coisas a outras pessoas, elas podem olhar para essas mesmas coisas como um tesouro.
MG - Mencionou que já inspirou pessoas?
DG - Sim. Na Cidade do Cabo e na Nova Zelândia. Uma colega minha de escola, emigrou para a Nova Zelândia e soube da minha acção. Perguntou-me se também podia começar a Sole2Sole lá. Depois, na Cidade do Cabo há uma menina, Ruby que também está a fazer a mesma coisa que eu. Está a recolher agora livros.
MG - E como é que isso o faz sentir-se? Quando inspira outros para o bem?
DG - Faz-me sentir muito bem, muito feliz.
MG - Vem de uma família e ambiente católico?
DG - Claro. Estamos a levar os ensinamentos de Jesus, a fazer um Mundo melhor.
MG - Mas queremos saber agora, um pouco mais sobre o Dário. O que é que quer ser? Estudar?
DG - Quero ser engenheiro mecânico.
MG - Portanto, gosta da escola? De estudar?
DG - Sim, bastante.
MG - Portanto, o Dário quer expandir esta marca, esta Sole2Sole? De que forma, nacional, internacional? No fundo, qual é a sua visão para esta acção de caridade?
DG - Quero que cresça o má- ximo e recolher o maior nú- mero possível de sapatos. Quero que cresça para que mais pessoas possam ter os dedos dos pés quentes e protegidos. Quando nós fizémos o nosso “Sleep Out”, nós tínhamos sacos cama, luvas, lanternas e casacos, gorros e material quente. Há muitas pessoas que nada têm.
ZG - O que o meu filho está a dizer, este “Sleep Out”, chama-se CEO Sleep Out Ambassador. É onde convidam Directores-Gerais das maiores empresas sul-africanas, que fazem dormidas ao relento para angariação de fundos e eventos de sensibilização. O ano passado dormiram na ponte Nelson Mandela em Joanesburgo e este ano será nos Union Buildings, para o ano será em Robben Island. Nestes eventos, angariam fundos para ajudar os semabrigo. O Dário foi convidado e escolhido das várias escolas, ele foi o mais jovem a fazer parte de um evento destes. É o dever dele depois ser o anfitrião de uma “Sleep Out”.
DG - Existem agora na África do Sul 14 milhões de pessoas a passar fome diariamente no nosso país.
MG - Muita gente pergunta “o que é pode ser feito”? Vê alguma solução para o problema?
DG - Tenho. Há pessoas que foram expulsas das famílias, porque é que fizeram isso? As regras existem para proteger as pessoas.
MG - De modo a que o seu trabalho caridoso não se perca nem seja desaproveitado, pretende focar-se mais nas crianças?
DG - Focamo-nos em todos. Precisamos de sapatos de rapaz, porque para homens, senhoras, meninas nós temos muitos.
ZG - No fim de dia, não devemos dar dinheiro. Mas a diferença que fazemos ao dar sapatos. Houve um rapaz, que disse ao Dário, “um par de sapatos ajuda muito. Eu preciso de botas para o rugby, futebol e desporto. Não tenho pais nem a quem pedir. Muito obrigado!” E são essas pessoas que queremos tocar, mudar-lhes a vida e ajudá-los. Os vagabundos debaixo da ponte, todos precisam de estar quentes e queremos ajudar todos, mas queremos mudar vidas.
MG - A Sole2Sole tem uma pagína de Facebook? Twitter? Sitio da Internet?
DG - Sim, temos uma página de Facebook. Canal de You tube também.

MG - Sendo Português, o que é que significa para si?
DG - Eu tenho muito orgulho em ser Português.
MG - Que conselho é que pode dar aqueles que querem ajudar?
DG - Se eu posso ajudar, os outros também podem ajudar. Apenas têm que descobrir por onde podem começar. Dário Gouveia é uma criança cheia de vida e energia. Nos seus olhos é notório o gosto em ajudar os outros e fazer o bem. A energia transborda de Dário e na emoção de se fazer ouvir e passar a mensagem, fala de pressa, gesticula e espelhado nos olhos está sempre um sorriso. Já inspirou outros e está agora focado em angariar ainda mais pares de sapatos. Aos nove anos de idade, é já uma estrela na Comunidade portuguesa e na África do Sul, terá sem sombra de dúvida um futuro brilhante o qual o Século de Joanesburgo acompanhará.

In «O Século de Joanesburgo»