Augusto Mané nasceu na Guiné-Bissau, mas vive na Madeira há 17 anos. No país de origem, deixou oito filhos - quatro da primeira mulher e outros quatro da actual esposa.

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A mudança foi inesperada. Quando vivia na Guiné, Augusto trabalhava no Sindicato dos Marinheiros. Um dia, meteu-se num navio espanhol para descarregar camarão em Tenerife e acabou por vir parar à Madeira: “O meu irmão já estava cá, falámos, e ele disse-me para vir. Assim fiz”, conta o guineense entre gargalhadas.

Augusto Mané nunca mais quis deixar a ilha. Além da companhia do irmão tem outros familiares na Região, e encantou-se de imediato com os madeirenses: “Aqui é muito calmo, gosto muito das pessoas, são amáveis. E também tenho primos cá”, revela ao DIÁRIO, esta terça-feira, dia em que se celebra o Dia Mundial da População, este ano focado em temas como fertilidade, vacinas e prevenção familiar.

“A Região mantém relações de grande cordialidade e parceria com as mesmas, integrando-as, ao nível associativo, na mais variadas actividades subordinadas à multiculturalidade. Sempre soubemos integramo-nos nos destinos que a nossa diáspora elegeu como sua segunda casa, do mesmo modo que temos constituído como exemplo de acolhimento, integração e paz. Saúdo deste modo estas comunidades bem como os seus representantes, com quem mantemos relações de parceria e amizade”, avança Sérgio Marques, secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, ao DIÁRIO.

Conversámos com Augusto Mané, também presidente da Associação Cultural e Recreativa dos Africanos na Madeira (ACRAM), a propósito do Dia Mundial das Populações que se celebra esta terça-feira.

Todos os anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) lança um tema para o 11 de Julho, com vista a levar as atenções mundiais para os assuntos mais prementes. Em 2017, a ONU alerta para a urgência de estender o planeamento familiar a mais populações no mundo todo.

O tema agrada a Augusto Mané. Além de concordar com as Nações Unidas sobre a necessidade da criação de um planeamento familiar para todos, diz mesmo que é dos assuntos mais urgentes em África: “É muito complicado no meu país. Não têm acesso a planeamento e fazem muitos filhos. E também não há vacinas para todos”, desabafa. A família Mané, revela Augusto, está felizmente assegurada: “Estou cá e mando-lhes dinheiro para tudo isso”, conta. Um dos filhos, por exemplo, já frequenta a licenciatura na Universidade Lusófona da Guiné, diz orgulhoso, um desejo que se materializou porque as despesas podem ser suportadas por si – mesmo que tenha de estar longe deles para cumprir esse objectivo.
Augusto Mané ao lado de Brazão de Castro e de Gonçalo Nuno dos Santos, no VIII Encontro dos Povos Africanos, em 2010

Quando instituiu o Dia Mundial da População, em 1989 (ano em que se contabilizaram 5 mil milhões de pessoas no planeta), a ONU pretendia alertar para a urgência de amparar os problemas populacionais mundiais. E já no passado dia 21 de Junho, lançou um relatório onde antevê que a actual população mundial de 7,6 mil milhões atinja os 8,6 mil milhões em 2030; os 9,8 mil milhões em 2050; e os 11,2 mil milhões em 2100. A grande parte do crescimento, prevê a ONU, acontecerá em África – devido à fertilidade alta de vários países africanos.

É por isso que Augusto Mané está satisfeito com a temática escolhida pela ONU para comemorar a edição deste ano do Dia Mundial da População: “É um dia muito importante e um tema muito importante sobretudo em África, onde se prevê um aumento muito grande da população”. Mas a sua preocupação não se esgota aqui. Augusto Mané lembra ainda os casos das mulheres que morrem durante o parto ou os próprios bebés que não sobrevivem” por não terem acesso a cuidados básicos de saúde.
O relatório de Junho, um trabalho do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas, diz também que a população mundial ganha 83 milhões de pessoas todos os anos. Mas vai mais longe:

Prevê-se que a população da Índia supere a da China dentro de sete anos (em 2024). Actualmente, na Índia vivem 1,3 mil milhões de pessoas e na China 1,4 mil milhões.

Estados Unidos, Rússia, Japão, Vietname, Alemanha, Irão, Tailândia, Reino Unido e China estão entre os 83 países que representam 46% da população mundial.
Marlene Baptista ‘aterrou’ na Madeira há dois meses. Não chegou de nenhum dos lugares destacados pelo relatório da ONU, mas vem de um país dominado pela insegurança e pela violência. Foi obrigada a fugir da Venezuela.

Filha de madeirenses, naturais da Camacha, a venezuelana é técnica fisioterapeuta e produtora de rádio. Mas só no país sul-americano, porque em Portugal a documentação que já está legal só lhe vale o 12.ºano: “Não sai nada da Venezuela, agora ‘os envios’ estão todos bloqueados”, diz ao DIÁRIO. Conseguiu inscrever-se no Instituto de Emprego da Madeira (IEM) logo que o Consulado da Venezuela lhe passou o tal certificado de habilitações do 12.º. A venezuelana espera, agora, conseguir fazer caminho num país diferente e reconstruir a vida a partir do zero.

Para isso, Marlene “gostava de fazer formações no IEM”, sobretudo de línguas: “Consigo falar, mas escrever é difícil e isso é importante para trabalhar”.

Juan Aguiar Baptista é o seu filho. Chegou à Madeira dois anos antes da mãe por se sentir inseguro: foi assaltado no seu país. O adolescente concluiu, este ano, o 12.º ano na Escola Secundária Francisco Franco, com uma média de 19,5, e arrecadou até um Prémio de Mérito no estabelecimento de ensino.

A mãe ficou, claro, nitidamente orgulhosa. Mas também quer fazer o seu percurso na Madeira: “Nestes dois anos, no meio desta loucura, conclui dois diplomas: um de direitos humanos e direito comunitário internacional e outro de relações internacionais e diplomacia. Não quero ser uma carga. Na Venezuela somos gente produtiva e trabalhamos. Nós fugimos, essa é a verdade”, deixa escapar, desolada.
“A Madeira, historicamente Região origem de migrações, assistiu - nas décadas após a consolidação da autonomia político-administrativa, com o crescimento económico que se verificou - a uma chegada de imigrantes das mais variadas partes da Europa e do Mundo. Estas comunidades, que diminuíram de expressão com o passar do tempo, bem como com a redução da actividade infraestrutural, encontram-se perfeitamente integradas e dispersas na nossa sociedade”, lembra Sérgio Marques.
Só que apesar da Região estar aberta para receber populações oriundas de diversas partes do mundo, as previsões demográficas para o arquipélago não são esperançosas.

É que o Instituto Nacional de Estatística (INE) fez projecções para Portugal, mas dedicadas à população residente entre 2015 e 2080, por sexo e idade, e os resultados não parecem prometedores.

O estudo prevê que Portugal perca população: dos actuais 10,3 milhões de pessoas, para 7,5 milhões de pessoas. E será já em 2031 que o país ficará abaixo do limiar dos 10 milhões. Uma tendência confirmada pelas primeiras estimativas sobre a população publicadas esta segunda-feira pelo Eurostat, a partir das quais se percebe que Portugal registou a segunda taxa de natalidade mais baixa entre os 28 Estados-membros da União Europeia (UE), em 2016. De acordo com as estatísticas da UE, Portugal teve, no ano passado, cerca de 87 mil nascimentos - o que representa uma taxa de 8,4 nascimentos por cada 1000 habitantes. É a segunda mais fraca da UE, apenas à frente de Itália, com 7,8.
Concentremo-nos na Madeira. As últimas projecções do INE revelam que a evolução da população segue a tendência decrescente esperada em território nacional: as 254,4 mil pessoas registadas em 2015 devem cair para 165,7 mil em 2080 – correspondendo a um decréscimo na ordem dos 35,4% em apenas 65 anos. Trocado por miúdos, prevê-se que a RAM perca 90,7 mil pessoas até 2080.

As alterações no arquipélago não ficam por aqui. É que, de acordo com o INE, além da RAM perder residentes, prevê-se que o número de idosos cresça exponencialmente. A tendência de envelhecimento vai acentuar-se na RAM já nas próximas décadas, aumentando de 105 para 307 idosos por cada 100 jovens.

No resto do país, as projecções mostram o mesmo: 147 para 317 idosos.

No plano do índice da sustentabilidade potencial no arquipélago a previsão é de redução, passando de 448 para 146 pessoas em idade activa por cada 100 idosos. Para o conjunto do País, este indicador diminui de 315 para 137 pessoas em idade ativa por cada 100 idosos.

Em 2017, lembram as Nações Unidas, a comemoração do Dia Mundial da População coincide com Family Planning Summit, o segundo encontro do FP2020 – Family Planning 2020, iniciativa que quer estender o acesso do planeamento familiar a 120 milhões de mulheres até 2020.

In Diário de Notícias da Madeira