O embaixador português Manuel Lobo Antunes chegou a Londres poucos meses depois do referendo do brexit, mas fala com tranquilidade do futuro, defendendo a continuação da relação importante entre o Reino Unido e a União Europeia
Estas eleições terão algum impacto para a comunidade portuguesa?
Não creio que tenham qualquer impacto. Imagino que esteja a falar sobre o brexit...
A primeira-ministra, Theresa May, já admitiu que um não acordo é melhor do que um mau acordo...
Sim, mas sobre isso existem interpretações diferentes. As negociações ainda não começaram. Muito pouco ainda está definido sobre os objetivos, sobre como a própria negociação se vai estruturar. Estamos numa fase de pura especulação e eu sou sempre adepto de que o melhor é esperar por negociações concretas. Inicie-se a negociação.
Acha que até agora tem sido só conversa eleitoral?
Acho que May quer o melhor negócio para o Reino Unido, que o Corbyn quer o melhor negócio para o Reino Unido e para a Europa e nós também queremos que seja o melhor negócio para todos nós. Portugal e a União Europeia preferiam que o Reino Unido tivesse tido uma outra opção, mas aceitamos a decisão democrática. Do meu ponto de vista e do governo português, os interesses de todos serão mais bem salvaguardados com um acordo que contemple a continuação de uma relação importante no campo comercial, económico, de defesa, da segurança.
E se chegarmos ao fim e o Reino Unido quiser voltar atrás. Poderá a UE castigar Londres com um não?
Não há intenção de punir o Reino Unido. Por vezes essa ideia passa de uma forma subliminar em certas mensagens políticas, mas não há essa intenção. E punir porquê? Sinceramente não vejo motivo, tanto mais que o Reino Unido, mesmo fora da UE, continua a ser uma peça fundamental em termos económicos e geoestratégicos na Europa. Partilha os nossos valores, a nossa história.
Histórica é também a relação entre Portugal e o Reino Unido. Negociações bilaterais só terão lugar após o brexit?
Com certeza, porque a negociação agora é entre o Reino Unido e a UE, porque é da UE que o país quer sair.
Só depois então haverá conversas bilaterais...
Só depois, face ao que forem os resultados das negociações, é que se poderá encarar a possibilidade de cada Estado membro poder negociar bilateralmente, mas sempre no respeito dos tratados da UE. Não se pode esquecer que há muitas matérias que são para os Estados membros da exclusiva competência da Comissão. E nessas áreas os Estados membros não podem celebrar acordos ou entendimentos bilaterais com países terceiros, que será o caso do Reino Unido quando sair.
Houve preocupação da comunidade portuguesa após o referendo. A situação já acalmou?
A nossa mensagem tem sempre sido de calma e confiança. Primeiro que tudo, a nossa comunidade não é a única. Não estamos sós e a união faz a força, daí que também seja importante uma posição comum baseada em princípios que podemos partilhar. Por outro lado, este problema não diz só respeito aos cidadãos portugueses no Reino Unido, também diz respeito aos cidadãos britânicos na UE. Depois, o Reino Unido ainda não saiu e as pessoas estão aqui ao abrigo de leis, regulamentos e diretivas que são europeias e ainda estão em vigor. Dito isto, o atual governo e os outros candidatos têm dito que querem garantir um quadro de estabilidade para todos e é nisso que vamos trabalhar. Sobre o futuro dos que queiram vir, aí o Reino Unido estará fora da UE e terá as suas leis, mas mesmo aí estou certo de que as quererá negociar com a UE. Como eu creio que o Reino Unido está grato pelo trabalho de cidadãos da UE aqui, julgo que poderá ter no futuro uma atitude de abertura. Não creio que estejamos diante de um êxodo bíblico de cidadãos europeus. Não haverá um fechar de portas repentino e inexorável.
O número de portugueses que estão a vir para o Reino Unido diminuiu desde o referendo?
A indicação que tenho é que estará a diminuir, o que é compreensível. Perante a dúvida, a tendência das pessoas é procurar alguma coisa que é mais certa. Mas continuam a vir. Continua a haver um saldo importante, o que significa que têm confiança sobre o futuro. É preciso confiança no futuro, o Reino Unido precisa dos portugueses e os portugueses precisam que o Reino Unido continue a investir em Portugal, que os turistas do Reino Unido vão a Portugal. Temos um grande superavit comercial, vendemos mais do que compramos. É importante que este mercado se mantenha, porque o Reino Unido é um bom cliente de Portugal e isso tem repercussões nas boas performances económicas que o país tem tido nos últimos meses.
O brexit começou por ser um tema central na campanha, mas os atentados alteraram isso. Há algum conselho para os portugueses?
O que posso fazer é subscrever aquilo que as autoridades britânicas têm dito. Somos todos cidadãos europeus que acreditamos em valores, em princípios, e não devemos, por medo ou receio, mesmo que este seja compreensível, abdicar deles. Porque o que o terror pretende é perturbar-nos, é meter-nos medo, é que sejamos aquilo que não somos. E isso não podemos deixar que suceda. A liberdade é o melhor dom do ser humano e tem de ser preservada. Não nos deixemos abater por aqueles que querem diminuir a nossa condição de seres humanos livres.