As madeirenses Ana Luisa e Maria Ana são por estes dias inquilinas provisórias da cidade das Gôndolas. Todos os dias caminham uma hora e apanham o barco para a ilha em frente à praça de São Marcos, onde bordam à vista dos visitantes da Homo Faber. Já esgotaram os cartões de visitas, são estrelas de fotografia e vídeo e até já foram aplaudidas.
Texto de Marina Almeida, em Veneza*

Bordado Madeira

Não há que enganar: mal se entra na exposição Discovery and Rediscovery, encontra-se a dupla de bordadeiras da Madeira. Ana Maria e Ana Luísa estão num dos espaços da Fundação Giorgio Cini, no âmbito da enorme mostra do artesanato europeu que é a Homo Faber, a decorrer em Veneza, Itália, até domingo. E ali estão entre panos e linhas de algodão a bordar, como fizeram toda a vida.

Maria Ana tem 50 anos. Começou a bordar nas férias ainda pequena. “O ponto corda, que era o mais fácil”, conta num momento de rara calma do espaço dedicado ao artesanato português. Quando acabou o sexto ano, começou a aprender os outros pontos. “Com 14 anos já fazia os meus próprios bordados para as casas de bordados do princípio ao fim”.
Sorridente, Maria Ana segura um pano onde borda o ponto richelieu a linha azul. “Trouxe uma toalhinha pequena, que tinha os pontos todos, mas já acabei. E agora estou a fazer outra de richelieu. Dentro do richelieu tem vários pontos. Os bastidos, granitos e o ponto corda...” vai explicando. Têm sido assim, os seus dias venezianos. Ouvir gente curiosa, explicar que arte é aquela, como se faz.
“As pessoas chegam aqui e dão palmas, dizem que a gente está de parabéns. Dizem que é um espetáculo ver a gente a bordar. Estão a adorar ver a gente aqui”, diz com os olhos brilhantes. Ao seu lado, está Ana Luísa. Natural de Porto da Cruz, na Madeira, aprendeu com a avó e depois com a mãe, e fez-se bordadeira. À filha, professora em Lisboa, quis dar estudos “para ela procurar um trabalho melhor”. É que esta é uma arte onde não se ganha dinheiro. Maria Ana tem dois filhos, mas mesmo que tivesse uma filha eu ia querer que ela procurasse outro trabalho. “Isto dá pouco dinheiro. Queria que [ela] aprendesse, porque é bom que as pessoas mais novas vão aprendendo para não deixar esquecer, que esta é uma tradição nossa, mas para ficar só com isto, como eu... não...”
Atrás delas está uma enorme toalha de mesa. Custa 2900 euros e pode demorar oito meses ou mais a bordar. Não é difícil fazer a conta. Ambas acreditam que eventos como a Homo Faber podem ajudar ao reconhecimento do seu ofício e à valorização dos produtos, até porque trabalho não lhes falta e interesse, pelos vistos, também não. “No domingo tivermos aqui mais de seis mil pessoas”, diz Maria Ana. Os visitantes, gente de várias nacionalidades e idades que por ali passa, dizem-lhes que o trabalho é bonito, levam cartões – “já esgotamos os cartões todos, tirámos fotocópias e esgotaram outra vez”, tiram fotos, fazem vídeos. “Levam tudo filmado para aprender como se faz”, conta.
Este mega evento dedicado aos artesãos e ofícios de excelência europeus, tem precisamente entre um dos objetivos a valorização deste património. Alberto Cavalli, diretor da Fundação Michelangelo, que organiza a Homo Faber, dizia-nos na véspera acreditar que as se as pessoas conhecem a verdade das peças, todo o trabalho até chegar ao produto final, seguramente vão valorizá-lo e perceber o seu preço. E é isso que se mostra na ilha de San Giorggio Cini, em todo o seu esplendor.
Nicole Segundo, a responsável da Fundação Michelangelo para Portugal, reconhece, no entanto, que há um grande trabalho por fazer no país. “Estamos no início em Portugal. Há várias iniciativas a nível local que estão a ser feitas e agora é trabalhar com a Michelangelo para podermos avançar de forma concreta”, disse à DN Ócio, admitindo que já se desenham algumas ideias neste sentido, sem querer adiantar quais. “Estamos no início de descobrir o enorme tesouro de craftsmanship que existe em Portugal”, refere. “Eu acho que é importante fazer um mapping dos trabalhos que estão em risco de desaparecerem”, acentuou.
Nos três últimos dias da Homo Faber, vai estar um artesão de Santarém, Manuel Ferreira, a fazer uma cadeira de bunho no espaço Best of Europe (onde até amanhã estará Miguel Alonso, entalhador da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva a mostrar o seu trabalho). Bunho é uma técnica de cestaria tradicional, algo “raríssimo”, sublinha Nicole Segundo satisfeita por trazer a Veneza mais esta preciosidade do artesanato nacional.
*A jornalista viajou a convite da Michelangelo Foundation

In Ócio DN