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“(...) Cavador de terra e ânsia

Remador de vaga e chão
A ver partir a distância
Em barcos de solidão.
Em vez de pés uma pena
Em vez de mãos uma gávea.
Marinheiro de assombro
É a tua condição.

Remador de altas marés,
Frase suspensa no mundo,
Português do mais profundo
Diz-me afinal quem tu és.”

“Ilha que é gente”, Irene Lucília,

Sancho GG

“Português do mais profundo”, como muito bem adjetivou a grande poetisa madeirense Irene Lucília, o povo madeirense desde muito cedo que partiu nos “barcos de solidão”, em busca de outras terras onde pudesse encontrar aquilo que – sentia! - lhe fora negado pela sua ilha.

A verdade é que a história da emigração madeirense está intrincada à história do povoamento. Existem, naturalmente, causas políticas e económicas que justificam esta permanente partida dos filhos da terra, mas estou com a nossa poetisa: partimos porque essencialmente a nossa condição é a de ser “marinheiro de assombro”. Como Ítaca, a Madeira é o lar para onde se regressa, mas apenas regressa quem parte. E uma das idiossincrasias do povo madeirense é partir: o horizonte que vemos desenhado sobre o mar não é limite mas apenas um obstáculo que sentimos ter o dever de transpor.
Talvez apenas esse desejo irreprimível de partida justifique alguns dos destinos para onde fomos e onde decidimos nos fixar. Porque se alguns dos países para onde os madeirenses emigraram são óbvios, outros há que pela distância e até inospitalidade não serão assim tão evidentes.
A Austrália é um desses destinos. Para lá apenas foram os indomáveis. Há relatos de emigrantes madeirenses desde o século XIX, ainda que apenas a partir de 1950 se tenham começado a estabelecer como comunidade piscatória, na cidade de Freemantle, próximo a Perth, no estado da Austrália Ocidental.
Estes terão sido os pioneiros da emigração portuguesa para aquele país, ainda que o número de emigrantes tenha continuado a crescer até a década de 90.

De acordo com o recenseamento de 1996, levado a cabo pelo Australian Bureau of Statistics, a Austrália contava com cerca de 17 mil residentes nascidos em Portugal e mais cerca de nove mil descendentes de portugueses.
É uma comunidade distribuída especialmente por Perth, Sydney (Wollongong), e Melbourne, mas, ainda em expansão pelo território australiano, nomeadamente para Queensland (Brisbane), onde os números indicam um crescimento de migrantes portugueses. Hoje, algumas estimativas grosseiras apontam para cerca de 50 mil emigrantes com nacionalidade portuguesa sendo que talvez 60% sejam de origem madeirense.
Como em qualquer país onde os salários são elevados, com economia e mercados de emprego em crescimento, boas condições económicas e estabilidade política, o nível de vida dos trabalhadores por conta de outrem é bastante razoável, razão pela grande parte da comunidade é assalariada, ligada aos sectores da construção civil, da hotelaria e da restauração. Em Perth, mantém-se a ligação histórica ao mar, mas também à agricultura, havendo muitos empreendedores nesta área, alguns dos quais, descendentes de madeirenses que emigraram da África do Sul.
As novas gerações têm investido na formação superior, pelo que muitos já têm trabalhos muito qualificados, nas áreas da medicina, direito, ensino e comunicação social.

Apesar de emigração para a Austrália ter estagnado, existe um programa de intercâmbio entre Portugal e aquele país austral, que permite aos jovens madeirenses viajarem para a Austrália e aos jovens australianos visitarem a Região, permanecendo pelo período máximo de um ano, para trabalhar e para gozo de férias. Os candidatos devem ter entre 18 e 31 anos e o número de vagas cresceu de 200 para 500 vagas.
Na Austrália, os jovens que prefiram se fixar em zonas rurais têm ainda a possibilidade de verem estendida a sua autorização de permanência de 1 para 3 anos. Esta e o regresso de alguns emigrantes à sua terra-natal têm sido os movimentos migrantes mais relevantes, entre os dois países, nos últimos 30 anos.

Fiéis às suas raízes e à sua identidade cultural, a comunidade assinala três importantes eventos religiosos: em agosto, a festa de Nossa Senhora das Neves, seguida da Nossa Senhora do Monte e em setembro o arraial de Nossa Senhora do Livramento.
A celebrações do Dia da Região Autónoma da Madeira são desfasadas ao longo do ano para permitir a presença de membros do Governo Regional, tendo início da Austrália, logo em janeiro.

A comunidade madeirense na Austrália é uma comunidade bem integrada e prestigiada entre as demais comunidades imigrantes. É uma comunidade que contribui indelevelmente para a grandiosidade daquele país, razão pela qual é motivo de orgulho para a Madeira e para todo o povo Madeirense!

In «JM Edição Especial Comunidades: Austrália»