Adega secreta descoberta em museu dos EUA. Parede falsa protegeu garrafas e garrafões durante a Lei Seca. Espólio pode valer 2,5 milhões e receita será usada para melhorar acessibilidades do museu.

VinhoMadeira

Quando há três anos, durante trabalhos de remodelação no Liberty Hall Museum, em Nova Jérsia, Estados Unidos, os responsáveis pelo museu encontraram uma sala secreta na adega do edifício, não podiam imaginar o tesouro que aquela parede falsa guardava.

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Meia centena de garrafas e 42 garrafões com vinho Madeira, alguns produzidos por altura da revolução americana de 1776, estavam esquecidos atrás de tijolos e cimento, diligentemente erguidos durante a Lei Seca, no início do século XX.

O espólio, que tendo em conta o valor que o vinho Madeira desses anos tem atingido em leilões, poderá valer mais de 2,5 milhões de euros, pertenceria aos descendentes directos de William Livingston, o primeiro governador de Nova Jérsia e um dos heróis da revolução norte-americana.

Liberty Hall, que hoje é um museu integrado no campus da Kean University, é uma mansão de estilo georgiano mandada construir em 1760 por Livingston, que depois de ter combatido como general na guerra de independência do país, foi um dos signatários da Constituição Americana.
A casa manteve-se na família, com fortes tradições militares e políticas, até 1995, data em que foi transformada em museu. Por Liberty Hall, que foi também casa de outro antigo governador de Nova Jérsia, Lewis Morris, ainda antes da independência, passaram figuras como o primeiro presidente norte-americano George Washington, e a mulher Martha Washington. Marquês de Lafayette, o militar francês que lutou pelo lado norte-americano na guerra da independência e figura incontornável da Revolução Francesa, ou Elias Boudinot, um dos primeiros presidentes do Congresso dos Estados Unidos, foram outras visitas frequentes.

A descoberta da colecção, surpreendeu mesmo os mais profundos conhecedores do museu. "Sabíamos que existia muita bebida na adega, mas não podíamos imaginar a idade nem o que estava escondido", admitiu John Kean, director do museu, citado pelo Independent.

A surpresa aconteceu em 2015, durante obras de restauro e remodelação que se prolongaram por seis meses, quando a adega secreta, emparedada para fintar a proibição que vigorou entre 1920 e 1933 de produzir, comercializar e consumir de bebidas alcoólicas, foi encontrada.

Olhando para a cronologia dos proprietários da mansão, encontramos o Capitão John Kean a residir em Liberty Hall durante a Lei Seca, daí ser legítimo atribuir a ele a construção do esconderijo agora revelado.

Esta semana, foram abertas seis garrafas e quatro garrafões para certificar e avaliar a qualidade do vinho. “Já estava provado, e esta descoberta só vem atestar a qualidade e a longevidade do vinho Madeira e da cortiça portuguesa”, nota ao PÚBLICO o enólogo madeirense Francisco Albuquerque, que foi escolhido pela leiloeira Christie’s para validar a descoberta.

Esta colecção, já considerada a mais antiga de vinhos Madeira encontrada nos Estados Unidos, vem também, acrescenta Albuquerque, reforçar a importância que o vinho Madeira teve naquele país. “Devido às suas características, ao paradoxo da oxidação no Vinho Madeira, foi um vinho muito consumido durante os séculos XVIII e XIX”, diz o enólogo e administrador da Blandy’s Madeira Wine Company, explicando que foi precisamente a longevidade que tornou o vinho bastante popular nos Estados Unidos. Tanto, que, por ser bastante apreciado pelos ‘pais fundadores’, foi com ele que brindaram após a assinatura da declaração de independência.

Um detalhe da história que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez questão de assinalar em Junho, quando se encontrou com o homólogo norte-americano, Donald Trump, na Casa Branca.

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Ao contrário dos vinhos tradicionais que se estragavam na viagem, o Madeira, por ser fortificado, acabava até por beneficiar dessa travessia atlântica. É por isso quase natural que, na adega secreta de Liberty Hall estivessem garrafas com mais de 200 anos. A garrafa mais antiga tem no rótulo o ano de 1797 e a mais recente – “se é que podemos classificar de recente, uma garrafa com esta idade” – tem 168 anos.

As garrafas encontradas ostentam o rótulo Lenox Madeira. Trata-se de Robert Lenox, um, à época, conhecido comerciante de vinho. Importava barris da Madeira e depois engarrafava-os em Filadélfia, para vender pelos estados norte-americanos.
Agora seis dessas garrafas e alguns garrafões vão ser leiloados pela Christie’s no início de Dezembro. A verba resultante será destinada a obras de adaptação do Liberty Hall Museum a pessoas com mobilidade reduzida, através da instalação de um elevador. As restantes serão integradas no espólio do museu que retrata a vivência dos primeiros anos dos Estados Unidos.

Além de Francisco Albuquerque, a certificação do vinho que será leiloado contou com a presença de João Rui Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Cortiça (APCOR), que irá fornecer as rolhas para substituir as que estão colocadas nos garrafões.

In «Público»